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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

PROVEBIOS

FUNDAÇÃO DOM JAIME DE BARROS CÂMARA
INSTITUTO TEOLÓGICO DE SANTA CATARINA - ITESC















PROVÉRBIOS: UMA INTEGRAÇÃO ENTRE O SECULAR E O RELIGIOSO?






Aluno:Osmar Debatin
Disc: Sapienciais
Curso: Teologia - III ano
Prof: Luis Dietrich











Florianópolis SC, Março de 2002.


PROVÉRBIOS: UMA INTEGRAÇÃO ENTRE O SECULAR E O RELIGIOSO?
“Pelas ruas e avenidas a sabedoria faz ouvir a sua voz”  (Pr 1,20).
ESBOÇO:
1.0) Terminologia e natureza dos Provérbios
2.0) Os Provérbios na Bíblia e na Literatura universal
3.0) Contexto dos Provérbios
4.0) Autoria do livro
5.0) Estrutura e datação
6.0) Conteúdo
7.0) Teologia do Livro
8.0) Questões para reflexão.

1.0) TERMINOLOGIA E NATUREZA DOS PROVÉRBIOS
A palavra "provérbios" vem do latim "proverbium", formada por "pro" = antes e "verbum" = palavra. O latim "pro" pode ter o sentido de "de acordo com", ou "através de", e talvez seja essa a força desse prefixo, nessa palavra. No hebraico, a palavra correspondente é "mashal", que "significa propriamente "semelhança, comparação". O mashal tem significado mais amplo que nosso provérbio, e inclui também o sentido de sentença profunda e misteriosa, metáfora, parábola, alegoria, enigma, sátira..."(STORNIOLO, 1991,p. 14).
Assim, um provérbio é uma declaração expressiva, incisiva e concisa, embora com a intenção de transmitir um pensamento novo ou importante. É uma declaração enigmática ou uma máxima, como se fosse uma minúscula parábola ou símile. Ainda pode ser uma declaração enigmática, que requer, meditação e análise para que possa ser definido ou compreendido (ex 1,17) "é em vão, porém, que se estende a rede, sob os olhos do que tem asas".

2.0) OS PROVÉRBIOS NA BÍBLIA E NA LITERATURA UNIVERSAL
a) No At: Encontramos provérbios espalhados pela Bíblia inteira, mas o livro dos Provérbios é a coletânea principal de provérbios, atribuídos a Salomão. Temos outros exemplos de provérbios em: 1 Sm 10,11; 19,24 e 24,13, resumindo declarações proverbiais. Ainda em Jr 31,29, Ez 18,2 e o Livro de Jó, que sendo um livro poético, encera também muitos provérbios (Jó 28,28).
b) No Nt: temos duas palavras gregas, que são usadas e que podem ser traduzidas por "provérbio: “paraboléin" em Lc 4,23 "e certamente ireis citar-me o provérbio: médico, cura-te  a ti mesmo"e "paroimisis", como em Jo 16,25,29 "disse-vos essas coisas por figuras".
Jesus empregou provérbios em seu ensino, como aquele de Lc 4,23. Paulo falou "em amontoar brasas vivas sobre a cabeça de alguém" (Rm 12,20). Ainda, outros provérbios de Paulo acham-se em 1 Cr 14,8; em Tito 1,12,15 e em 1 Tm 6,10. Nas Cartas Pastorais, tem-se provérbios em Tg 2,26, 1 Pd 4,8 e na 2 Pd 2,22.
c) Nos outros povos: antes da escrita ter sido inventada, os provérbios circulavam sob  a forma verbal. "A literatura antiga dos Sumérios, dos Babilônios, dos Egípcios, dos Gregos e dos Romanos contém provérbios, o que também pode ser dito acerca dos Chineses, dos Celtas e de outros povos" (CHAMPLIN, 2000, p. 2529).

3.0) CONTEXTO
 Formular um provérbio não é apenas criar mais uma frase bonita.  Tem a ver com  a vida de um povo. É o resultado de uma descoberta. É como uma vitória após longa luta! Um provérbio reflete a experiência de um grupo. Por isso, não tem dono, é anônimo. Hoje se fazem coleções de dizeres que aparecem no pára-choque dos caminhões. O mesmo se fazia com os provérbios do  povo de Deus.
Os provérbios costumam nascer onde a vida é simples, onde existe o relacionamento direto entre as pessoas. Elas tratam das experiências e necessidades diárias: comer, beber, falar, amar... Nascem da observação atenta da vida de um grupo de pessoas nos seus setores:
·          Casa: famílias, tribo, corpo, saúde, educação, amor...
·          Campo: trabalho, plantio, animais, estações, tempo...
·          Portão: justiça, comércio, cidade, praça, feira...
·          Palácio: governo, organização, corte, exército, conflitos...
·          Templo: religião, culto, Deus, oração, romaria, promessa...

a) Pano de fundo:
Sem nos importarmos se a autoria salomônica é aceita ou não, podemos concordar que o pano de fundo do livro de Provérbios parece ter sido a corte de Jerusalém.
O pressuposto básico que confirma esta hipótese é  de que os autores do livro de Provérbios usam a sabedoria e a retidão como sendo idênticas e a iniqüidade é uma espécie de insensatez. Isso se  torna axiomático no livro, dando-lhe um colorido todo especial (Pr 10,2). A partir deste pressuposto, vem  a tona outros princípios não menos importantes: o temor de Javé, quem quer ser sábio precisa ter uma mente disposta a aprender a instrução...
Esta capacidade de mostrar sagacidade nos pensamentos, foi sempre admirada entre os israelitas que desde antes de Salomão, os seus possuidores tornaram-se líderes naturais, bem reputados na comunidade de Israel (2 Sm 14,2; 20,16). E quem demonstrou maior habilidade, quanto a isso do que o próprio Salomão? (cf 1 Rs 3,16-28). Portanto, com base no reconhecimento de que há homens dotados de tremenda sagacidade mental, capazes de aplicar esta habilidade às questões práticas da vida, que surgiu a literatura dos provérbios.

b) Lugar de origem e destinatários:
O livro de Provérbios provavelmente originou-se nos círculos palacianos de Jerusalém. As porções salomônicas (cf 25,1) podem ter sido registradas pelos escribas desse monarca, descendente de Salomão. Quanto aos destinatários do livro, pelo seu conteúdo, que visava a instrução dos filhos das famílias nobres, com instruções endereçadas freqüentemente a "meu filho", intencionava-se também em pauta uma audiência muito mais ampla, ou seja, todo o povo. "A sabedoria dos sábios destinava-se a todos" (CHAMPLIN, 2000, p. 2532).

c) Canonicidade do livro:
No Cânon da Bíblia Hebraica, fixado pelos judeus  da Palestina por volta da era cristã (90 dC), o livro dos Provérbios situa-se na parte dos Ketuvim (ou dos Escritos ou Hagiógrafos), entre os livros de Jó e Rute. Na Bíblia Grega (ou dos Setenta LXX), destinada aos judeus da Dispersão, o referido livro encontra-se no grupo dos Livros Sapienciais.

4.0)  AUTORIA
Tradicionalmente, o volume maior do livro de Provérbios tem sido atribuído a Salomão, filho de Davi e rei de Israel (cf Pr 1,1; 10,1; 25,1). Todavia, o mesmo livro contém outros autores a saber: (seção 22,17 - 24,31 - as Palavras dos Sábios), Agur (30,1-14) e Lemuel (31,1-9).
Pelo testemunho bíblico, afirma-se que Salomão foi o autor da maior parte do volume do livro de Provérbios, à qual foram acrescentadas as obras de outros autores. Essa atribuição a autoria do livro, como sendo de Salomão, aconteceu porque este "adotou não só o sistema político e econômico do Egito, mas também o modelo diplomático e cultural. Esse modelo de assessoramento do governo era feito por sábios profissionais, chamados de 'escribas', escrivões ou secretários (ver 1 Rs 4,3)". (STORNIOLO, 1991, p. 15).
Em síntese: com Salomão, tem-se o início de uma literatura intencional.

 5.0  ESTRUTURA E DATAÇÃO DO LIVRO
ý  Há um NÚCLEO CENTRAL no livro reunindo as três  coleções mais antigas:
1) Pr 10,1 - 22,16 é a “Primeira Coleção de Salomão”
sendo que de 10,1 - 15,33 - ressalta o aspecto mais social e
de 16,1 - 22,16 - texto mais exortativo.
2) Pr 25,1 - 29,27 é a “Segunda coleção de Salomão”
sendo que de 25,1 - 27,27 - o destinatário é o povo e
28,1 - 29,27 - os destinatários são os administradores
Estas duas coleções tomaram esta forma no reinado de Josias, por ocasião da reforma empreendida pelo rei (622 aC). No entanto, o trabalho de recolher provérbios vem da reforma anterior, de Ezequias (715 - 687 aC), conforme mostra o livro (25,1). Os funcionários da corte foram buscar a experiência administrativa das aldeias para fundamentar as reformas empreendidas pelos reis. As atividades destes funcionários têm portanto um fim claramente político: exaltar a figura do rei como administrador competente (25,2-6).

3) Pr 22,17 - 24,22 - é a coleção “As Palavras dos Sábios”
Com um pequeno apêndice Pr 24,23-34, chamado de “Estas também são Palavras dos Sábios”. No meio das coleções anteriores, introduziram esta, que é considerada a parte mais antiga do livro. Estas máximas, ou ensinamentos, foram trazidos do Egito e usadas na formação dos funcionários e burocratas da corte real de Jerusalém.
Após o Exílio (587-539 aC), este núcleo central descrito acima recebeu vários acréscimos de épocas difíceis de datar. São elas:
a) Pr 1,1 - 9,18 - é o Prólogo do livro e que dá o título: “Provérbios de Salomão filho de Davi e rei de Israel”. É um longo discurso sistemático mostrando a evolução da Sabedoria como guia do povo de Deus e com  a preocupação de atribuir todos os provérbios contidos no livro ao rei Salomão.
b) Pr 30,1-14 e Pr 31,1-9 - são duas coleções de sábios estrangeiros, Agur e Lamuel, que viviam em Massa, na Arábia.
c) Pr 30,15-33 - é uma coleção de provérbios numéricos. Com um estilo todo próprio, estes provérbios lembram as nossas adivinhações.
d) Pr 31,10-31 - é um poema alfabético fazendo um elogia da mulher ideal. Mas a mulher ideal deve ser entendida dentro do contexto patriarcal da época e não na nossa visão atual.
A reunião final de todas estas coleções num único livro, deve ter terminado por volta do ano 400 aC, durante  a reforma de Esdras.

6.0)  CONTEÚDO
a) Os temas:
As duas  formas literárias que mais prevalecem no livro de Provérbios são: a) as declarações sucintas e expressivas usadas para transmitir sabedoria e b) os longos discursos didáticos do que são exemplos a primeira seção (cap 1-9) e as seções dos capítulos 30-31.
Em relação ao assunto, genericamente encontramos três tipos de temas apresentados no livro: a) instruções para que se abandone a insensatez e siga-se a sabedoria (cap 1-9); b) exemplos específicos de conduta sábia ou de conduta insensata (cap 10-29) e c) a nítida descrição acerca da mulher virtuosa (cap 31), que talvez contrabalance com o motivo do filho sábio (cap 1-9).
Destaca-se ainda mais duas particularidades do livro de provérbios: a) a figura da Sabedoria, que no oitavo capítulo recebe um tratamento da "sabedoria como uma hipostatisação", ou seja, a sabedoria aparece como atributo divino, mas sendo um ser que mantém inter-relações com os homens e b) a relação entre o livro de Provérbios e a obra egípcia "a Sabedoria de Amenemopê"  (22.17-24,34), no qual destacam-se muitas semelhanças entre as duas obras.

b) Características positivas dos Provérbios
1.      Ajuda o povo a sobreviver, a não se deixar derrubar pelos problemas.
2.      Faz conhecer a natureza e suas leis, para que sirvam à vida.
3.      Organiza a vida: ato criador continuado, defende contra o caos.
4.      Cresce de baixo para cima: só aceita o que a prática comprova.
5.      Capacita para  a vida: não cria dependência, mas faz descobrir.
6.      É realista: fruto do bom senso e do respeito ao próprio povo.
7.      É crítica: ensina a descobrir e ter consciência certa.
8.      É ecumênica: internacional e interconfessional na sua origem.
9.      É anônima: reflete a experiência do grupo, é a voz do povo.
10.  É conservadora: conserva o que é bom para a vida do povo.

c)  Assuntos de destaque em Provérbios  (ver anexo)

7.0)  A TEOLOGIA DO LIVRO
Além de considerar o livro de Provérbios como sendo uma obra de sabedoria secular e prática, podemos inferir a partir de seu conteúdo, que o livro é extremamente teológico, destacando-se:
· a onisciência de Deus (15,3,11; 21,2);
· Deus é apresentado como Criador de tudo (14,31; 17,5; 20,12);
· Deus governa a ordem moral do universo (10,27,29; 12,2);
· As obras dos seres humanos são aniquiladas por Deus (15,11; 16,2);
· O juízo moral é mais importante ainda que a prudência (17,23);
· O tema do "temor do Senhor" (1,7; 9,10), como sendo um termo genérico para a idéia de 'religião'.
· O caráter vital da verdade (28,4; 29,18);
· O vocabulário "aliança", que mesmo ocorrendo uma única vez em (2,16), mas a constância da relação entre pai e filho (3,12...), caracteriza a idéia de aliança.

8.0)  QUESTÕES PARA REFLEXÃO
1) O que você pensa da integração do secular e religioso presente no conteúdo e na estrutura do livro dos Provérbios? Este esforço integrador faz parte da tarefa educacional da nossa Igreja, de seu programa de educação popular?

2) Pr 1, 1-7
A partir deste trecho é possível explicitar a finalidade do livro de Provérbios? Comente.

3) Pr 31, 10-31
O texto apresenta algumas qualidades da mulher. A partir de uma leitura de gênero, mostre como a mulher descrita no texto é submissa ao marido.

BIBLIOGRAFIA
1- CASCANTE Fernando A. Provérbios: um manual pedagógico para nós. São Leopoldo: Cebi, 1996, Série: A Palavra na Vida, n 108.
2- CHAMPLIN R. Normam. O Antigo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo: Candeia, 2000, Vol 4.
3- COLEÇÃO TUA PALAVRA É VIDA. Sabedoria e Poesia do povo de Deus. São Paulo: Loyola, 1993, - CRB.
4- GRUEN W. O tempo que se chama hoje. Uma introdução ao Antigo Testamento. 7. ed. São Paulo: Paulinas, 1977.
5- STORNIOLO Ivo. Como ler o Livro dos Provérbios. São Paulo: Paulinas, 1991.




O LIVRO DOS SALMOS

O livro dos salmos[1]

O livro dos Salmos é um conjunto de 150 poesias compostas pelo antigo Povo Eleito para rezar a seu Deus. No original hebraico, esse livro chama-se “livro dos hinos”, mas nem sempre se trata propriamente de hino no sentido estrito. O nome “salmos” vem de tradução grega (LXX). A palavra grega psalmos, indica a música tocada num instrumento de cordas chamado psaltérion, semelhante à lira e usado no acompanhamento dos hinos. Na Bíblia, significa o tipo de poesia religiosa que corresponde a mizmor, termo hebraico que aparece no cabeçalho de 57 salmos.
Os salmos foram compostos em diferentes épocas da história de Israel, por vários autores, e estão colocados na Bíblia sem ordem lógica nem cronológica. Há, no entanto, salmos de caráter idêntico, reunidos em pequenas seqüências, como os salmos de romaria (salmos 120-134).
ASPECTO GERAL:
1)      Divisão e numeração:
À imitação do Pentateuco formado por cinco livros, também os Salmos se agrupam em cinco livros; 1) 1-41; 2) 42-72; 3) 73-89; 4) 90-106; 5) 107-150. Cada livro termina por uma doxologia, isto é, uma aclamação de louvor a Deus.
Ao serem traduzidos para o grego, dois salmos foram divididos ao meio e outros, quatro foram reunidos dois a dois, criando uma numeração diferente, quase sempre uma unidade atrás da original. A correspondência das duas numerações é visualizada no seguinte quadro:
Hebraico
Grego
1-8
1-8
9-10
9
11-113
10-112
114-115
113
116
114-115
117-146
116-145
147
146-147
148-150
148-150

Nas nossas traduções, a numeração hebraica aparece sem ( ), e a grega esta inserida nos ( ).
2)      Os Cabeçalhos:
Os Cabeçalhos dos Salmos são muito antigos e para os tradutores gregos às vezes não eram fáceis de entender. Os Cabeçalhos não são os títulos temáticos que nas edições modernas da bíblia encimam os salmos. Normalmente eles aparecem em itálico ou entre colchetes nas bíblias modernas indicando que não devem ser lidos nas proclamações. As bíblias protestantes não os incluem na numeração dos versículos por isso pode haver defasagem do numero nos vv. seguintes.
Os Cabeçalhos exprimem o nome da pessoa que fez o salmo ou à qual ele era atribuído (os principais autores seriam então Davi com 73 salmos, Asf com 12 e os filhos de Coré com 11. Chegou-se a atribuir a Davi o saltério inteiro, como toda a Lei foi atribuída a Moises e toda a literatura Sapiencial a Salomão). “Davi é também chamado em 2 Sm 23,1 : o cantor dos salmos de Israel” e certamente foi o iniciador de um movimento poético e litúrgico. Mas a poesia hebraica existia bem antes dele, como se pode ver p. ex. pelo cântico de Moisés (Ex 15). Em 1 Cr 15,16-19 aparecem os nomes de Asaf, Etã, emã, que são também salmistas. O caráter do salmo, seu gênero literário, anotações musicais, o instrumento que acompanhava o tom, a melodia com a qual era cantado. É bom ter presente que os salmos foram feitos para serem cantados e não simplesmente rezados ou recitados. O uso litúrgico do salmo também variava conforme a ocasião ou dia...
3)      Estrofes, salmos alfabéticos:
A divisão em estrofes não faz parte do texto original, ma foi acrescentada na tradição ulterior para facilitar a recitação. Alguns salmos (9-10, 25, 34, 37, 11, 112, 119, 145) são alfabéticos, isto é, inicia cada estrofe com as sucessivas (22) letras do alfabeto hebraico. Como porem, isso não transparece na tradução e, em diversas épocas, a divisão alfabética sofreu corruptelas.
4)      Gêneros:
Os salmos são um diálogo do povo de Deus do AT com Aquele que é seu libertador, criador, refúgio e proteção. Neles a alma israelita exprime seus sentimentos: louvor, adoração, alegria, angústia, confiança, súplica, aflição, arrependimento e até mesmo a ira e a imprecação. Daí a possibilidade de separarmos os salmos em determinadas categorias. Mas nem sempre o pensamento do autor segue um caminho único: muitas vezes num mesmo salmo os sentimentos e as formas se sucedem, dificultando uma classificação precisa. Podemos, no entanto, considerar ao menos como aproximativa a seguinte classificação:
a) Os Hinos: louvam a majestade do Senhor, manifestada na natureza e na história de Israel. Dentro dessa classe, se destacam os grupos menores: 1) Os salmos do Reino, que proclamam a realeza de Deus sobre a terra; 2) os cânticos de Sião, que exaltam Jerusalém e seu Templo; 3) os salmos de Aleluia (113 – 118) cantados, sobretudo na Páscoa (a palavra alelu-ia significa exatamente “louvai o Senhor”)
b) As súplicas: que descrevem para Deus os males do momento, pedindo salvação. Conforme se trata de um mal que aflige o individuo ou a nação, distinguem-se: 1) súplicas coletivas; 2) súplicas individuais, nesta categoria se enquadram os salmos de lamentação, para os dias de jejum e penitência e ainda sete salmos chamados penitenciais, desde Santo Agostinho (6, 32, 38, 51, 102, 130 , 143). Exprimem a consciência do pecado, com um pedido de perdão.
c) Ações de graças: que agradecem a Deus pela salvação obtida, são também subdivididas em coletivas e individuais.
d) Sapienciais: que meditam a Lei, e ensinam como seguir os caminhos de Deus. Alguns desses (37, 49, 73) refletem sobre problema da pessoa que sofre sem ter cometido o pecado. O salmo 119 é uma longa meditação sobre a Palavra de Deus, nele, cada grupo de 8 versículos começa com a mesma letra em ordem alfabética. Esse salmo, junto com o 9, 25, 34, 111, 112, 145, compostos de modo semelhante, chama-se justamente alfabético; é um artifício que reaparece mais vezes na poesia hebraica, p ex. Pr 31,10-31 e Lamentações.
e) Salmos de caráter mais Litúrgico, nos quais se fala de procissões e sacrifícios, oráculos e bênçãos – p ex o 15, 24, 68, 95. Forma uma classe especial os “salmos de romaria” cantados por ocasião das peregrinações a Jerusalém nas festas religiosas: salmos 120 a 134.
f) Os salmos Históricos: que rezam a Deus com os fatos da vida e do passado de Israel, meditando-os para deles tirar lições de vida: 78, 105, 106.
g) Salmos Régios ou Messiânicos: aqueles que vêem na pessoa do rei um representante de Deus, encarregado de salvar o povo. Porque essas esperanças não se realizaram no presente, eram projetadas para o futuro, para um enviado de Deus, que haveria de ser um outro Davi, rei justo e poderoso. São os salmos 2, 20, 21, 45, 72, 89, 110, 132.
h) Há um alista de salmos chamados de Imprecatórios (35, 55, 58, 59, 69, 79, 83, 94, 109, 137, 140. Por conterem expressões de vingança contra os inimigos. Para entendê-los é preciso recordar o tempo e a cultura onde nasceram. A revelação do Primeiro Testamento é provisória, é uma preparação para o Segundo e não tinha alcançado a perfeição desta. Não era muito clara a esperança na vida futura; achavam que os mortos iam todos para um mesmo lugar, a mansão dos mortos, lugar de silêncio e letargia; portanto só nesta vida é que tinha vez à justiça divina. A linguagem dos orientais é mais apaixonada que a nossa. E no Oriente antigo a maldição era considerada como meio de legitima defesa. Os inimigos do povo de Deus são também inimigos de Deus, que desafiam a sua justiça. O salmista quer mostrar exatamente quanto confia nesta justiça que tarda, mas não falha.


5) Lista de classificação dos salmos:
a) agradecimento coletivo: 66, 75, 85, 107, 124, 126.
b) agradecimento individual: 9, 18, 30, 34, 92, 115, 116, 120, 138.
c) cânticos de Sião: 46, 48, 76, 84, 87, 122, 137.
d) confiança: 3, 4, 11, 16, 23, 27, 62, 63, 71, 91, 121, 125, 129, 131.
e) denúncia profética: 50, 58, 82.
f) hinos: 8, 19, 29, 33, 65, 67, 96, 100, 104, 111, 113, 114, 117, 135, 145, 146, 147, 148, 149, 150.
g) históricos: 78, 105, 106.
i) litúrgicos: 24, 68, 81, 95, 118, 134, 136.
j) penitenciais: 6, 32, 38, 51, 102, 130, 143.
l) régios: 2, 20, 21, 45, 72, 89, 110, 132.
m) salmos do Reino: 47, 93, 97, 98, 99.
n) sapienciais: 1, 15, 36, 37, 49, 52, 73, 101, 112, 119, 127, 128, 133, 139.
o) súplicas coletivas: 12, 14, 44, 53, 60, 74, 79, 80, 83, 90, 123, 144.
p) súplicas individuais: 5, 7, 13, 17, 22, 25, 26, 28, 31, 35, 39, 41, 42, 43, 54, 55, 56, 57, 59, 61, 64, 69, 70, 77, 86, 88, 94, 108, 109, 140, 141, 142.




[1] Cf BÍBLIA SAGRADA, Tradução da CNBB. Edições CNBB.

LIVROS PROFETICOS

LIVROS PROFÉTICOS

Introdução geral:
Pela sua coragem de questionar a situação presente e vislumbrar um futuro diferente para o seu povo, os profetas sempre exerceram atração fascinante. Muitos chegam até a confundir profeta com adivinhador do futuro. Outros chegam a pensar que eles ensinavam coisas absolutamente novas. O verdadeiro profeta, no entanto, é aquele que preserva a tradição autêntica do seu povo, perdida ou deformada em meio a tantas «tradições» criadas para defender interesses, legitimar poderes e sustentar sistemas. O núcleo central da tradição autêntica é a fé exodal, ou seja, o reencontro com o verdadeiro Deus revelado a Moisés: «Eu sou Javé seu Deus, que fiz você sair da terra do Egito, da casa da escravidão» (Ex 20,2; Dt 5,6). Portanto, profeta é aquele que se inspira na ação libertadora do Deus do êxodo e, a partir daí, analisa a situação presente e mostra o projeto de Deus para o futuro do seu povo.
As atividades do profeta variam de acordo com seus ouvintes e com o momento histórico em que ele vive. Cada profeta tem o seu estilo próprio, e pronuncia anúncios e denúncias diante de situações bem determinadas. No entanto, podemos perceber duas grandes vertentes na atividade dos profetas:
- Exigência de conversão, para mudar o sistema social, a fim de que o julgamento de Deus não recaia sobre o povo. Esse tema é predominante nos profetas que exerceram sua atividade antes do exílio na Babilônia.
- Anúncio de esperança, para encorajar e estimular o povo, que tinha perdido sua terra e corria o perigo de perder a própria identidade. Esse anúncio fazia retomar a caminhada da reconstrução, recuperando a fé em Javé e os valores históricos alcançados em nome dessa mesma fé.
Os livros proféticos testemunham a vida e atividade de homens que possuem fé profunda e vigorosa; homens que procuram levar o povo a um relacionamento sempre renovado e responsável com o Deus que julga e salva.
A literatura profética pode ser dividida de várias maneiras. A mais tradicional e comum é a divisão em profetas maiores e profetas menores. Não porque uns sejam mais importantes que outros, mas simplesmente pela extensão de seus escritos. Os profetas maiores são quatro: Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel. Os menores são treze: Baruc, Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

1-      ISAÍAS
A SANTIDADE DE DEUS
Introdução
O livro que traz o nome de Isaías pode ser dividido em três grandes partes:
Os capítulos 1-39 contêm a mensagem do profeta chamado Isaías, cuja preocupação central é a santidade de Deus, ou seja, só Deus é absoluto. Esse é o dado principal para que a prática não se torne uma idolatria. Em meio a grandes mudanças políticas internacionais, Isaías condena a aliança com as grandes potências, mostrando que a nação só será salva se permanecer fiel a Deus e ao seu projeto, no qual a justiça é o valor supremo. Assim, uma espiritualidade baseada na santidade de Deus conduz o profeta a uma fé política, que combate os ídolos presentes na sociedade. Ele fala também do Emanuel (7,14), no qual o Novo Testamento viu Jesus Cristo, que veio ao mundo para salvar o seu povo.
Os capítulos 40-55 foram escritos por profeta anônimo, na época do exílio na Babilônia, apresentando uma mensagem de esperança e consolação. Esse profeta é comumente chamado Segundo Isaías. O fim do exílio é visto como um novo êxodo e, como no primeiro, Javé será o condutor e a garantia dessa nova libertação. O povo de Deus convertido, mas oprimido, é denominado «Servo de Javé». O Novo Testamento atribui esse título a Jesus, o justo que sofreu e morreu para nos libertar. A comunidade, depois de convertida e libertada, se tornará missionária, luz para que as nações se voltem para o verdadeiro Deus.
Os capítulos 56-66 são atribuídos a Terceiro Isaías. Apresentam uma coleção de oráculos anônimos que procuram estimular a comunidade que veio do exílio e se reuniu em Jerusalém com os que estavam dispersos. Condena os abusos que começam de novo a aparecer e mostra qual é o verdadeiro jejum (58,1-12) necessário para que haja novos céus e nova terra.
 Introdução AO PRIMEIRO ISAÍAS (Is 1-39)
Não é fácil ler Is 1-39 na ordem atual do livro, principalmente se quisermos situar os oráculos do profeta dentro do contexto histórico em que foram proclamados. Os vários redatores não obedeceram à ordem cronológica da atividade do profeta, mas agruparam seus oráculos com base em outros critérios, nem sempre fáceis de perceber. Além disso, vamos encontrar trechos elaborados no exílio ou pós-exílio e que os redatores foram inserindo, com a preocupação de atualizar a mensagem de Isaías. Para facilitar a leitura contextualizada do profeta, apresentamos uma cronologia da atividade de Isaías, tentando estabelecer quais oráculos pertencem a cada período de sua atividade.
Primeiro período: durante o reinado de Joatão (740-734 a.C.)
O fato internacional mais relevante na história do Oriente Médio, no séc. VIII, é o reaparecimento de uma grande potência: a Assíria. Subindo ao trono Teglat-Falasar III, esse império começa a perturbar a tranqüilidade dos outros países da região. Entretanto, o reino de Judá vive uma época de grande prosperidade econômica e independência política, não sendo ainda atingido pelo expansionismo da Assíria. Tudo parece estar muito bem. A «prosperidade e paz» é acompanhada por uma atividade religiosa intensa, com grandes festas e culto pomposo nos santuários. Tal situação, porém, mascara outra bem diferente na ordem social: injustiças, arbitrariedade dos juízes, corrupção das autoridades, cobiça dos grandes proprietários, opressão dos governantes. No fim do reinado de Joatão, a situação interna injusta é agravada por outra externa: a Assíria começa a pressionar Israel e Judá para serem seus vassalos.
É dentro desse contexto que podemos ler Is 1-5, menos alguns oráculos que foram acrescentados por redatores de época posterior.
Oráculos do primeiro período 1,10-20; 1,21-26; 2,6-21; 3,1-15; 3,16-4,1; 5,1-7; 5,8-25; 5,26-30. Pertence também ao fim do reinado de Joatão: 10,1-4.
Segundo período: durante o reinado de Acaz (734-727)
Para entender a atividade de Isaías nessa época, é importante conhecer algo sobre a chamada «guerra siro-efraimita». Trata-se de uma coalizão entre o reino de Aram (também chamado Síria, cuja capital é Damasco) e o reino de Israel (também denominado Efraim, com a capital em Samaria). O rei Rason de Aram e o rei de Israel, Facéia (= filho de Romelias), se unem para enfrentar o avanço da Assíria, recusando o seu domínio. Joatão, rei de Judá, convidado para participar da coalizão, mantém atitude neutra, considerada perigosa pelos outros dois. Quando morre Joatão, o seu filho Acaz sobe ao trono; mantém a mesma reserva, mas é pressionado a decidir-se, inclusive ameaçado de perder o trono e ser substituído por um aliado dos siro-efraimitas. Temeroso, Acaz está a ponto de ceder às pressões de Rason e Facéia ou pedir proteção à Assíria contra os dois. É nessa conjuntura internacional que o profeta Isaías começa de novo a sua atividade.
Oráculos do segundo período 7,1-17; 7,18-25; 8,1-4; 8,5-8; 8,9-10; 8,11-15; 8,16-20; 9,7-20; 17,1-11.
Terceiro período: durante a minoridade de Ezequias (727-715)
Quando Acaz morre, o seu filho, herdeiro do trono, tem apenas cinco anos. Um regente se encarrega do governo até que o pequeno rei atinja a maioridade. Morre também Teglat-Falasar III, rei da Assíria, e seu sucessor é Salmanasar V. A coalizão entre os reinos de Israel e Aram é destruída pelos assírios, que colocam sua força militar para conquistar a região da Palestina.
Oráculos do terceiro período 14,28-32; 18,1-7; 20,1-6; 28,1-4; 28,7-13; 28,14-22; 30,8-17.
Quarto período: durante a maioridade do rei Ezequias (714-698)
Durante vinte anos, o reino de Judá vive pagando tributo à Assíria. Em 714 a.C., aos dezoito anos, Ezequias começa a reinar efetivamente. Movido pela pressão popular, ele se arrisca a promover uma reforma religiosa e política, mesmo tendo que desagradar à Assíria. Outras potências (Egito e Babilônia) estão interessadas nessa reforma e oferecem auxílio. No entanto, a Assíria não está disposta a perder as posições conquistadas e ameaça invadir o território judaico. Ezequias continua pagando tributo até 705 a.C. Uma nova tentativa de Judá para escapar do domínio assírio leva o imperador Senaquerib a ser mais rigoroso: com o seu exército, invade o reino de Judá e conquista cidades e mais cidades, até cercar Jerusalém. A ajuda do Egito não serviu para nada e a capital só não caiu em mãos do inimigo por causa de um acontecimento que fez o exército assírio se retirar.
Oráculos do quarto período 1,4-9; 10,5-16; 10,27b-34; 14,24-27; 28,23-29; cap. 29; 30,1-7; 30,27-33; 31,1-9; 32,1-8; 32,9-14; cap. 33.

2-      JEREMIAS
UMA NOVA ALIANÇA
Introdução
Jeremias é da tribo de Benjamim e originário de Anatot, pequena cidade do interior. Embora de família sacerdotal, está ligado às tradições proféticas do Norte, principalmente a Oséias, e não às tradições do sacerdócio e da corte de Jerusalém. Como Miquéias, ele pertence ao mundo camponês. De maneira crítica, ele traz consigo a visão dos camponeses sobre a situação do país.
A atividade profética de Jeremias se desenvolveu entre os anos 627 e 586 a.C., e pode ser dividida em quatro períodos:
Primeiro período: durante o reinado de Josias(627-609 a.C.)
Com apenas oito anos de idade, Josias foi nomeado rei pelo «povo da terra». Aqui essa expressão indica a camada rural da sociedade. No início deste período, Jeremias acusa a idolatria e luta para que seja erradicada totalmente do país. Do contrário, a situação vai piorar cada vez mais. A conversão se torna necessária e urgente.
No âmbito internacional, a situação política está mudando rapidamente: a Assíria, grande potência da época, se enfraquece cada vez mais, e já não consegue manter controle sobre as regiões dominadas. Josias, agora maior de idade, aproveitando o enfraquecimento da presença assíria, encontra ótima oportunidade para realizar ampla reforma. Na política, ele procura anexar o território do Norte, pertencente à Assíria desde a queda de Samaria em 722 a.C. Na economia, deixa de pagar os impostos cobrados pelos dominadores. Ao mesmo tempo, Josias promove a reforma religiosa. Baseado no «Livro da Lei» (provavelmente o núcleo mais antigo do Deuteronômio), encontrado no Templo, ele tenta eliminar todos os ídolos do país e estabelecer novo relacionamento social centrado na Lei. É um período de prosperidade e otimismo. Por isso até Jeremias emite bom conceito sobre Josias (Jr 22,15-16).
Segundo período: durante o reinado de Joaquim (609-598 a.C.)
Com a decadência da Assíria, as relações internacionais começam a ganhar novas feições. Outros povos, ávidos de conquista e supremacia, despontam no horizonte: citas, medos, babilônios e também os egípcios que tentam ressurgir de um período decadente. Com isso, a faixa da Palestina passa, de novo, a ser palco de disputas políticas e militares. Nessa época morre Josias (609 a.C.), quando tenta impedir a incursão do Faraó Necao, que procura deter o avanço da Babilônia. No retorno, mesmo derrotado, Necao vai a Jerusalém, depõe Joacaz, substituto de Josias, e coloca no trono de Judá o despótico Joaquim. Essa atitude do Faraó pretendia dar na região uma demonstração de força. Pode ser também que Necao confiasse mais em Joaquim do que em Joacaz. O povo detestava Joaquim, e Jeremias critica violentamente esse rei (Jr 22,13-19). É dessa época o famoso discurso sobre o Templo (Jr 7,1-15; cf. cap. 26), que quase custou a vida do profeta.
A Babilônia surge como grande potência, sob o reinado de Nabucodonosor. Jeremias adverte os israelitas que os babilônios, em breve, invadirão o país. Por causa disso, ele é aprisionado como traidor. Assim mesmo, Jeremias continua denunciando o povo que se esqueceu de Deus, por falsear o culto, pela falsa segurança, pelas idolatrias e pelas injustiças sociais. E aponta os principais responsáveis: são as pessoas importantes que detêm o poder em Jerusalém (rei, ministros, falsos profetas, sacerdotes). O profeta estava com a razão, e sua visão realista se confirmou: em 598 a.C., o exército babilônio estava às portas de Jerusalém. Nessa época, o rei Joaquim morreu, provavelmente assassinado. Seu filho e substituto Jeconias, não teve tempo para nada: após três meses Jerusalém era invadida. Então ele, juntamente com altos oficiais e outros importantes, foram levados para a Babilônia (597 a.C., primeira deportação). Sedecias, tio de Jeconias, foi instalado por Nabucodonosor, para reinar em Jerusalém.
Terceiro período: durante o reinado de Sedecias (597-586 a.C.)
Nesse momento decisivo da história de Israel, Sedecias se submete aos babilônios e se mostra indeciso. Em tal situação política, surge uma questão religiosa: Afinal, quem é o povo de Deus? Os desterrados na Babilônia, ou aqueles que ficaram em Judá? Jeremias se nega a participar de uma visão simplista (cap. 24) e coloca o assunto dentro da política realista: Sedecias e a corte de Jerusalém são incapazes de salvar o povo do desastre. Por isso os deportados ainda são os que podem trazer esperança, pois estão aprendendo uma dura lição. Essa idéia leva Jeremias novamente para a prisão. Pressionado por seus oficiais, Sedecias tenta armar uma revolta contra a Babilônia. Avizinha-se o desastre previsto por Jeremias: Jerusalém é sitiada pelos babilônios. Entretanto, Jeremias também vê nos camponeses uma luz salvadora (32,15). Em 587 a.C. se dá a segunda deportação.
Quarto período: depois da queda de Jerusalém (586 a.C.)
Em 586 a.C., Nabucodonosor resolve destruir Jerusalém completamente: incendeia o Templo, o palácio, as casas e derruba as muralhas. Mas concede que Jeremias fique no país. Então, o profeta vai viver com Godolias, novo governador da Judéia.
Nesse mesmo ano, Godolias é assassinado por um grupo antibabilônico, que se vê forçado a fugir para o Egito, obrigando Jeremias a ir com eles. Ficam morando na cidade de Táfnis, de onde mais uma vez o profeta lança suas denúncias (cf. 40,7-44,30).
É difícil situar os oráculos dentro de cada período correspondente. Por isso, nas notas indica-se o contexto dos oráculos mais importantes, para facilitar a compreensão.
Podemos dizer que a missão de Jeremias fracassou em querer que seu povo retornasse à genuína aliança com Deus. Ele se tornou uma espécie de «anti-Moisés», sendo levado para o Egito e vendo seu povo perder as instituições e a própria terra. No entanto, sua confiança no Deus que é sempre fiel lhe deu a capacidade de mostrar, ao povo e a nós, que esse mesmo Deus manterá seu relacionamento conosco, sem precisar de instituições mediadoras (31,31-34).

3-      LAMENTAÇÕES
UM POVO HUMILHADO
Introdução
As Lamentações provavelmente foram escritas na Palestina depois da queda de Jerusalém em 586 a.C. Uma tradição as atribui ao profeta Jeremias, mas tudo indica que essa atribuição é artificial.
São cantos fúnebres que descrevem, de modo doloroso e poético, a destruição de Jerusalém pelos babilônios e os acontecimentos que se sucederam a essa catástrofe nacional: fome, sede, matanças, incêndios, saques e exílio forçado (cf. 2Rs 24-25).
Esses poemas retratam a angústia de um povo humilhado, que faz exame de consciência, grita de arrependimento e suplica perdão. Mostram o povo em situação desesperada, que perdeu tudo, menos a fé. Uma lembrança continua presente: Deus é o Senhor de tudo e de todos. E, o que é melhor: ele não abandona o seu povo para sempre, e está pronto para agir com misericórdia. Então o desespero cede lugar à oração, a uma confiança invencível, mesmo quando já não existe motivo para nenhuma esperança.
As Lamentações são usadas na liturgia por ocasião da Semana Santa, para celebrar a paixão de Cristo, fonte de esperança para o mundo. A tradição popular conservou, durante a procissão de Sexta-feira santa, no canto da Verônica, um trecho das Lamentações, posto na boca de Jesus: «Vocês todos que passam pelo caminho, olhem e prestem atenção: haverá dor semelhante à minha dor?» (1,12).

4-      BARUC
ARREPENDIMENTO E CONVERSÃO
Introdução
Como se apresenta hoje em nossas Bíblias, o livro de Baruc é composto de textos com gêneros literários diferentes. Depois de uma introdução histórica (1,1-14), a primeira parte, em prosa, contém uma confissão de pecados e uma súplica (1,15-3,8). A segunda parte, em poesia, contém uma exortação no estilo dos livros sapienciais (3,9-4,4) e um oráculo sobre a restauração de Jerusalém e do povo (4,5-5,9). Por fim, uma carta, atribuída ao profeta Jeremias (Br 6). O certo é que esses textos não são de Baruc, o secretário de Jeremias, mas foram escritos provavelmente no século II a.C.
O livro tem o mérito de conservar o sentimento religioso dos israelitas dispersos pelo mundo todo após a ruína de Jerusalém e a perda de quase todas as suas instituições. Mostra como eles conservaram viva a consciência de ser um povo adorador do verdadeiro Deus. Ao mesmo tempo, mostra a consciência que tinham do desastre nacional: não atribuem tudo isso à infidelidade de Javé; ao contrário, reconhecem que os males se originaram por culpa deles próprios: estão assim porque desprezaram a palavra dos profetas, rejeitaram a justiça e a verdadeira sabedoria. Mas, ao lado dessa consciência de seus pecados, conservam uma viva esperança, pois acreditam que Deus não abandona o seu povo e continua fiel às promessas. Se houver arrependimento e conversão, poderão confiar no perdão divino: serão reunidos de novo em Jerusalém, que é para sempre a cidade de Deus.
A carta do capítulo sexto é uma carta que nos leva aos templos pagãos, cujos ídolos estão empoeirados e carcomidos de cupim. Esses ídolos, apresentados de forma atraente e grandiosa, não têm vida, nem são capazes de produzir vida: «Não podem salvar ninguém da morte e nem podem livrar o fraco da mão do poderoso. Não são capazes de devolver a vista ao cego nem de livrar um homem do perigo; não têm compaixão pela viúva nem prestam qualquer ajuda ao órfão. Esses deuses de madeira prateada ou dourada parecem pedras tiradas do morro: quem se ocupa deles só vai passar vergonha. Como, então, pensar ou dizer que são deuses?» (Br 6,35-39).
O livro de Baruc é deuterocanônico

5-      EZEQUIEL
UM CORAÇÃO NOVO
Introdução
O profeta Ezequiel exerce sua atividade entre os anos 593 a 571 a.C. Sacerdote exilado em Babilônia com uma parte do seu povo, ele anuncia aí as sentenças de Deus. A comunidade, em meio à qual ele vive, acredita que em breve tudo voltará a ser como antes. Assim para ela o projeto de Deus era mero sistema que lhe dava segurança. Ezequiel, no entanto, sabe que o sistema passado está agonizando de maneira irrecuperável: Jerusalém será destruída! Segundo ele, a sociedade que ainda resiste sofre de doença crônica e sem cura: abandonando o projeto de Javé, submeteu-se diante daqueles que lhe ofereciam vida luxuosa e fascinante. Por isso, Ezequiel vê o próprio Deus deixando o Templo (11,22-24) e largando os rebeldes ao bel-prazer dos «amantes».
Isso é causa de sofrimento para o profeta, mas não de desânimo e desespero. Para ele, o futuro é de ressurreição (Ez 36-37) e novidade radical. Com sua linguagem simbólica, Ezequiel indica os passos para a construção do mundo novo:
- Assumir a responsabilidade pelo fracasso histórico de um sistema que se corrompeu completamente, provocando a ruína de toda a nação.
- Compreender que a simples reforma de um sistema corrompido não gera nenhuma sociedade nova; apenas reanima o velho sistema que, cedo ou tarde, acabará sempre nos mesmos vícios.
- Converter-se a Javé, assumindo o seu projeto; e, a partir daí, construir uma sociedade justa e fraterna, voltada para a liberdade e a vida.
Com esse «programa profético», vislumbramos um futuro novo: Deus volta para o meio de seu povo (Ez 43,1-7), provocando o surgimento de uma sociedade radicalmente nova. Aí todos poderão participar igualmente dos bens e decisões que constroem a relação social a partir da justiça. Desse modo, todos poderão reconhecer que «a partir desse dia, o nome da cidade será: Javé está aí» (48,35).

6-      DANIEL

O TRIUNFO DO REINO DE DEUS
Introdução
O livro de Daniel é um escrito apocalíptico. Surge no século II a.C., quando a comunidade está sendo perseguida e em crise. É a época em que o rei Antíoco IV quer acabar com a cultura, costumes e religião dos judeus, e por isso persegue quem não se sujeita aos padrões e costumes da cultura grega, que ele procura introduzir. A finalidade do livro é sustentar a esperança do povo fiel e, ao mesmo tempo, provocar a resistência contra os opressores. Para uma correta compreensão deste livro, é importante lê-lo junto com os livros dos Macabeus.
Na primeira parte (Dn 1-6), contam-se histórias passadas sob o domínio dos persas, mostrando como Daniel e seus companheiros resistiram aos poderosos do império e permaneceram fiéis à sua religião; assim foram salvos por Deus.
Na segunda parte (Dn 7-12), em linguagem figurada, própria da apocalíptica, o autor divide a história em etapas, mostrando o conflito entre as grandes potências. Ressalta que se aproxima a última etapa da história: o Reino de Deus está para ser implantado; por isso, é preciso ter ânimo e coragem para resistir ao opressor, permanecendo fiel. Nessa luta sem esmorecimentos, há uma profunda convicção de fé: o único poder é o de Deus, e só ele é o dono da história. Todos os outros poderes, por maiores que sejam, podem ser derrubados pela ação daqueles que acreditam ser Deus o único absoluto (Dn 2,31-47).
Este livro, dentro da apocalíptica, preocupa-se com o futuro, mas sua intenção é que no presente haja perseverança, fidelidade e resistência na preservação da própria identidade, sem alienação, apesar de todas as dificuldades. E mesmo para aqueles que morrem nessa luta, sabendo escolher o caminho da justiça, descortina-se a esperança maior: a ressurreição (Dn 12,1-3).
Os capítulos 13-14 assim como 3,24-90, são apêndices em grego acrescentados ao livro original. Aí, Daniel é apresentado como sábio precoce, com o dom do discernimento.

7-      OSÉIAS
DEUS É AMOR FIEL
Introdução
O profeta Oséias exerceu sua atividade no reino do Norte, desde o final do reinado de Jeroboão II até a queda de Samaria (750-722 a.C.). Toda a pregação de Oséias está impregnada por uma experiência pessoal tão profunda, que se tornou para ele um símbolo (Os 1 e 3). Ele amava de todo coração a sua esposa, mas ela o deixou para se entregar a outros amantes. Esse amor não correspondido ultrapassou o nível de frustração pessoal para ser uma enorme força de anúncio: o profeta apresenta a relação entre o Deus, sempre fiel e cheio de amor, e seu povo, que o abandonou e preferiu correr ao encontro dos ídolos. Oséias torna-se, então, denunciador de todo tipo de idolatria, que ele chama de prostituição. Essa comparação será daí para frente uma constante nos escritos bíblicos. Tais «prostituições», segundo Oséias, não consistem somente em adorar imagens de ídolos, mas inclusive em fazer alianças políticas com potências estrangeiras que provocam dependência, exploração econômica e opressão (7,8-12; 8,9-10). «Prostituições» são também os golpes de Estado que preservam interesses de uma pequena minoria (7,3-7), a confiança no poder militar e nas riquezas (8,14; 12,9) e todo tipo de injustiças (4,1-2; 6,8-9; 10,12-13). Oséias, porém, não é só um acusador, mas também anuncia o amor fiel e misericordioso de Deus para com seu povo, se este se converte e volta a conhecê-lo. Para o profeta, o conhecimento de Deus não é uma atitude intelectual, mas uma adesão amorosa, através de uma prática que corresponda ao projeto de Deus, elaborado no deserto por ocasião do êxodo. Então sim: Javé receberá novamente seu povo como esposa, dispensando-lhe todo o carinho (2,4-25); ou tratando-o como filho (Os 11).

8-      JOEL
O DIA DO JULGAMENTO
Introdução
Nada sabemos do tempo em que viveu o profeta Joel. Por isso, torna-se difícil a interpretação do que ele escreveu.
Podemos dividir o livro em duas partes: Na primeira os dois primeiros capítulos narram uma terrível invasão de gafanhotos que devasta a plantação do país. Diante disso, Joel pede a participação de todos (profetas, sacerdotes e povo), numa grande manifestação de penitência e jejum, para suplicar a Deus que afaste a catástrofe. Deus mostra a sua misericórdia e anuncia a libertação da praga e as bênçãos para uma nova plantação. Como o profeta compara esses gafanhotos a um exército, talvez se possa pensar que ele esteja falando de uma invasão inimiga. Na segunda parte, os capítulos terceiro e quarto descrevem o julgamento de Deus sobre as nações e a vitória final.
Parece que a primeira parte não tem nada a ver com a segunda. Mas, uma expressão une o livro todo: o Dia de Javé, isto é, o Juízo final. Então, o que na primeira parte eram gafanhotos ou exército inimigo, na segunda se transforma em exército de Deus; a praga se torna apenas uma comparação para exemplificar o Grande Dia em que a humanidade prestará contas a Deus. Assim como afastou ele os gafanhotos, também a misericórdia de Deus, alcançada pela penitência e jejum, transforma o julgamento em dia de libertação e salvação: arrasada a plantação, ela surge nova e viçosa. Desse modo, uma praga de gafanhotos observada atentamente serviu para que Joel anunciasse o Juízo final.
Deste profeta, o trecho mais conhecido é 3,1-5. Esses versículos são citados no discurso que Pedro fez no dia de Pentecostes (cf. At 2,17-21). Por isso, Joel é também chamado o profeta de Pentecostes.
 
9-      AMÓS
CONTRA A INJUSTIÇA SOCIAL
Introdução
Em meados do século oitavo antes de Cristo, pelo ano 760, um sitiante (7,14) chamado Amós «caiu na arapuca» de Deus (3,5), deixou sua vida tranqüila no Sul e foi anunciar e denunciar no Norte, onde reinava Jeroboão II (1,1). Um «leão começava a rugir» (3,8): era Javé colocando em polvorosa todo um regime de injustiças. Amós acabou sendo expulso, mas antes rogou uma praga em cima do sacerdote Amasias, que presidia o culto em Betel, de acordo com a vontade do rei (7,10-17).
Por que a palavra de Amós incomodava tanto? Exatamente porque ele anunciava que o julgamento de Deus iria atingir não só as nações pagãs, mas também, e principalmente, o povo escolhido; este já se considerava salvo, mas na prática era pior do que os pagãos (1,3-2,16). E Amós não se contentava em denunciar genericamente a injustiça social. Ele «dava nome aos bois»: os ricos que acumulavam cada vez mais, para viverem em mansões e palácios (3,13-15; 6,1-7), criando um regime de opressão (3,10); as mulheres ricas que, para viverem no luxo, estimulavam seus maridos a explorar os fracos (4,2-3); os que roubavam e exploravam e depois iam ao santuário rezar, pagar dízimo, dar esmolas para aplacar a própria consciência (4,4-12; 5,21-27); os juízes que julgavam de acordo com o dinheiro que recebiam dos subornos (5,10-13); os comerciantes ladrões e os «atravessadores» sem escrúpulo que deixavam os pobres sem possibilidades de comprar e vender as mercadorias por preço justo (8,4-8).
Em cinco visões, Amós anuncia o fim do reino do Norte, porque aí a situação era insustentável diante de Deus (7,1-3; 7,4-6; 7,7-9; 8,1-3; 9,1-4).
No estado atual, o livro de Amós termina com um toque de esperança (9,11-15). Tal esperança foi vislumbrada pelos judeus que, dois séculos depois, se encontravam na Babilônia e acrescentaram este trecho, conscientes de se terem purificado do seu pecado, no amargor do exílio.

10-  ABDIAS
CONTRA A FALTA DE SOLIDARIEDADE
Introdução
Nos vinte e um versículos que compõem o seu «livro», Abdias aborda uma questão muito séria e importante: a necessária solidariedade entre os mais fracos diante de um opressor. O país estava sendo pilhado e destruído pelos babilônios. Então Abdias reparou que Edom, país-irmão (cf. Gn 25,19-28; 36,1), ao invés de ajudar o mais fraco, bandeou para o lado do mais forte. E Edom estava gostando do que acontecia: aproveitava para conquistar terras, participar da pilhagem, matava, perseguia e «dedurava» os que estavam escondidos e pediam proteção (vv. 11-14). E fazia tudo isso por vingança: não perdoava as brigas passadas (cf. 2Rs 8,20-22). Como diz Ezequiel: Edom guardou um «ódio eterno» (Ez 35,5).
Além disso, os edomitas eram arrogantes, se consideravam invencíveis (v. 3), se orgulhavam de sua sabedoria e da valentia de seus guerreiros. O profeta mostra que a sabedoria se torna insensatez e a valentia se transforma em covardia, quando aliadas ao opressor contra um país-irmão desprotegido e atacado (vv. 5-9). Abdias reconhece que Judá também não é inocente e, por isso, está sofrendo uma das situações mais trágicas de sua história. No entanto Edom é mais culpado, porque não foi fraterno nesse momento crucial da história.
Podemos estranhar a conclusão do profeta (v. 18). De fato, concordamos que Edom não deve guardar rancor de seu irmão nem tomar parte, com alegria selvagem, da destruição de Jerusalém; mas não concordamos que Israel tire desforra. Outros escritos bíblicos ensinam que devemos esperar o perdão de nossos irmãos, mas também nós devemos perdoá-los.

11-  JONAS
DEUS NÃO CONHECE FRONTEIRAS
Introdução
O livro de Jonas é considerado profético unicamente porque em 2Rs 14,25 se menciona um profeta com o mesmo nome. Mas a data do livro é bem posterior, e seu estilo e tema diferem muito dos livros proféticos, que em geral são escritos em verso. Enquanto os profetas ameaçam as nações pagãs, o livro de Jonas relata a conversão dos ninivitas e anuncia a misericórdia a esse que foi um dos povos mais odiados por Israel. Os profetas estão solidamente enraizados na situação político-social; Jonas parece estar solto no ar.
Na verdade, trata-se de um livro sapiencial. Não pertence ao gênero histórico, mas ao gênero parabólico desenvolvido, uma espécie de «novela» para ilustrar o tema da misericórdia de Javé, que não é um Deus nacional, mas um Deus de toda a humanidade; ele quer que todos se convertam, para que tenham a vida (4,2).
A obra nasceu no pós-exílio, quando o povo judeu estava se fechando num exagerado nacionalismo exclusivista (cf. Esd 4,1-3; Ne 13,3), bem refletido na mesquinhez do «justo» Jonas. Todavia os caminhos de Deus são diferentes dos caminhos dos homens: Deus quer salvar também os inimigos, os pagãos de Nínive, capital da Assíria, modelo de crueldade e opressão contra o povo de Israel. Deus não quer que suas criaturas se percam (cf. Sb 1,12ss) e para ele ninguém está irremediavelmente perdido (cf. Ez 18,23.32; Lc 15).
A história do peixe tornou famoso o livro. De fato, os evangelhos celebrizam a figura e aventura de Jonas como sinal da morte e ressurreição de Jesus: assim como Jonas ficou três dias no ventre do peixe, Jesus vai ficar três dias no ventre da terra; depois ressuscitará, como Jonas voltou à luz do dia (cf. Mt 12,39-41 e paralelos).

12-  MIQUÉIAS
O DIREITO DOS POBRES
Introdução
O profeta Miquéias nasceu em Morasti, uma vila no interior do reino de Judá. Sua origem camponesa se manifesta na linguagem concreta e franca, nas comparações breves e nos jogos de palavras. Ele exerceu sua atividade em fins do século VIII a.C., quando sua região estava sendo devastada pelos assírios.
Miquéias, entrentanto, denuncia uma situação mais perversa do que a própria guerra em andamento: a cobiça e injustiças sociais, onde ele vê a causa principal da ira de Deus (2,8). Após descrever os estragos da guerra (1,8-16), o profeta nos conduz à capital, onde ele se defronta com os ricos e com os dirigentes políticos e religiosos. Vindo da roça, Miquéias acusa-os de roubar casas e campos para se tornarem latifundiários (2,1-2) e os condena por mandar matar até mulheres e crianças para se apoderarem das terras (2,9). Com o poder nas mãos, eles dançam ao ritmo do dinheiro, falseando o peso das mercadorias (6,10-12). Miquéias mostra que a riqueza deles se baseia na miséria de muitos e tem como alicerce a carne e o sangue do povo (7,1-4). Eles, porém, insistem, com a Bíblia na mão, em provar que são justos (2,6-7) e que Deus está com eles (3,11); procuram combinar religião com opressão aos fracos. Miquéias denuncia tal perversão como atitude idolátrica (1,5); por isso, é taxativo: eles, juntamente com a luxuosa capital e o próprio Templo, serão destruídos (3,9-12).
No livro atual de Miquéias existem também promessas e esperanças. Entre elas se destaca o anúncio do surgimento do Messias na pequena cidade de Belém (5,1-3). O Novo Testamento retomará esse oráculo e o atribuirá ao nascimento de Jesus Cristo (cf. Mt 2,6).

13-  NAUM
A RUÍNA DO OPRESSOR
Introdução
A atividade profética de Naum se desenvolveu entre 663 e 612 a.C.
Na história antiga, como na moderna, as grandes potências se sucedem e lutam encarniçadamente na ânsia de dominar o mundo e os homens. Este livro profético é a visão da queda de um desses impérios: a Assíria, o leão que enchia a toca de caça (2,13), o opressor de Israel (1,12-13). É um canto em que o oprimido sente próxima a libertação, porque o Império que domina as nações está prestes a vir abaixo.
Um salmo inicial mostra Javé como juiz que age na história (1,2-8). Ele é apresentado como o Deus ciumento e vingador, cheio de furor (1,2) e ao mesmo tempo como o Deus bom, o abrigo para os que são perseguidos (1,7). Já nesse salmo, Javé aparece como o Senhor de tudo e de todos, oprimidos e opressores, mas de maneira diferente.
Nas sentenças seguintes (1,9-2,1), dirigidas alternadamente ao oprimido (Judá) e ao opressor (Assíria), Javé também se apresenta alternadamente, como vingador e bom.
A ruína de Nínive, capital da Assíria (2,2-3,19), é descrita de maneira grandiosa e sem meios-termos, não deixando dúvidas sobre quem destrói a capital sangüinária e idólatra: é o próprio Deus (2,14; 3,5: «eu estou contra você»).
Naum deixa bem claro: os grandes poderes do mundo não são eternos. Por mais que dominem e amontoem, por mais que oprimam e humilhem os pequenos, um dia eles ruirão como Nínive. Aliás, desaparecerão da história justamente porque agem dessa maneira. Sobre todos os opressores obstinados pesa o julgamento implacável de Deus, que toma o partido dos oprimidos.

14-  HABACUC
JUSTO VIVERÁ POR SUA FIDELIDADE
Introdução
O profeta Habacuc inicia o livro interrogando a Deus e pedindo socorro, pois está cansado de ver o seu país sofrer opressão violenta, onde a Lei enfraquece e o direito está distorcido (1,2-4). A resposta de Deus é a intervenção de um grande império, que deveria corrigir os desmandos (1,5-10). Isso, porém, não satisfaz o profeta, pois o invasor não vem para fazer justiça, mas para substituir uma opressão por outra pior (1,12-17).
Habacuc continua esperando uma resposta satisfatória de Deus. A resposta definitiva é dada, agora, com uma proposta diferente, mais difícil, que exige paciência, mas que não falha: «O justo viverá por sua fidelidade» (2,4). Com isso, os que sofrem as conseqüências da violência são chamados a ser agentes na história, opondo-se firmemente aos que não são corretos. Tal acontecerá somente se esse grupo for fiel ao projeto de Deus; se estiver permanentemente vigilante na realização da justiça.
No momento em que os injustiçados se descobrem não só como vítimas, mas principalmente como agentes de uma transformação na história, surgem a possibilidade e a coragem de desmascarar os opressores. Esse desmascaramento se realiza através da desmistificação de sua potência, até chegar ao cerne de sua fraqueza: são adoradores de ídolos mudos e inertes, que não podem vir socorrê-los no momento crucial.
Descobrindo a fraqueza do opressor, é possível celebrar a sua queda e o surgimento de uma nova era, de um mundo novo. É a celebração do justo, «em tom de lamentação», cheia de estremecimentos e temores, porém com uma certeza: a justiça um dia se tornará realidade, porque o Deus dos justos é o Deus vivo que age na história (3,1-19).

15-  SOFONIAS
OS POBRES DA TERRA
Introdução
O profeta Sofonias viveu e exerceu a sua atividade num momento em que Judá, seu país, era disputado pelas grandes potências da época. Dentro do país se formaram dois partidos: um querendo ficar sob a influência do Egito, outro da Assíria. Durante longo período, nos reinados de Manassés e Amon, a Assíria é que dava as cartas. Uma tentativa de mudar a situação a favor do Egito, através de uma revolta de oficiais da corte, não obteve sucesso, porque cidadãos de grande influência econômica reagiram e colocaram no trono Josias, que ainda era menor de idade. Esse rei, mais tarde, promoverá uma grande reforma, mas a situação voltaria a ser a mesma: o que era bom para a Assíria, era bom para Judá, inclusive a maneira de vestir (1,8).
Aqui entra Sofonias, entre os anos 640-630 a.C. Ele mostra como pesa, sobre toda essa situação, o Julgamento de Deus (1,2-18). O Dia de Javé não é essencialmente o fim do mundo e da história, mas a transformação do povo de Deus e o fim de uma era de idolatria. Para o profeta, são ídolos não somente as divindades estrangeiras, mas também a absolutização das grandes potências, do dinheiro e do poder. Esses ídolos estão presentes, tanto nas outras nações quanto na cidade de Jerusalém, seja no palácio real, seja no Templo e nos bairros da cidade (2,4-3,8). A única possibilidade de salvação que Sofonias vislumbra para escapar à ira divina são os pobres da terra (2,3), isto é, os destituídos de poder e riqueza, que depositam sua confiança no verdadeiro Absoluto e clamam por justiça. São eles os únicos que poderão formar um «resto» para conduzir na história o projeto de Deus, e assim fazer com que o Dia de Javé se torne dia de alegria e restauração, e não de destruição (3,9-20).




16-  AGEU
REESTRUTURAR O POVO DE DEUS
Introdução
No ano 538 a.C., quando os judeus voltaram do exílio da Babilônia, a situação de Judá e Jerusalém era deplorável: cada um procurando se defender sozinho, sem nenhum interesse em formar a unidade que lhes desse a característica de povo. Mesmo aqueles que voltaram do exílio estavam preocupados em construir a própria casa, plantar a sua roça, vender as suas mercadorias, mais do que restabelecer a dignidade nacional. Um leigo (Zorobabel) e um sacerdote (Josué) procuram reunir esse pessoal e reconstruir Jerusalém e o Templo, a fim de reestruturar o povo de Deus.
No ano 520 a.C. o profeta Ageu entra em cena para encorajar os compatriotas. Suas exortações têm como eixo o seguinte tema: se o Templo for reconstruído, tudo vai melhorar, pois Deus habitará de novo no meio deles e espalhará as suas bênçãos. Trata-se de um apelo veemente para tornar viva e fraterna a comunidade, que está ameaçada de total desintegração.
Entretanto, Ageu não se contenta em estimular o tempo presente, mas procura fazer com que todos vejam no futuro uma esperança maior para o povo de Deus, que retornará à sua grandeza anterior, tendo como chefe um descendente de Davi.
O Templo ganhará dimensões magníficas no tempo de Herodes, mas será deturpado e se tornará fonte de exploração. Jesus vai criticar essa degradação a que chegou o lugar de encontro com Deus e o símbolo da unidade do povo, e anunciará a substituição desse Templo por outro: o seu próprio corpo (Jo 2,21). Desse modo, torna-se presente um futuro maior do que o sonhado por Ageu: o verdadeiro Templo que dá vida e une o povo é o próprio Filho de Deus, que se fez homem, e que não é apenas descendente de Davi, mas também seu Senhor.
 
17-  ZACARIAS
DEUS CONTINUA PRESENTE
Introdução
A primeira parte do livro, composta dos capítulos 1 a 8, contém os oráculos do profeta Zacarias, contemporâneo de Ageu (520 a.C.). É uma época em que a comunidade judaica procura reconstruir as suas bases de fé e vida social. Sofrendo ainda a amarga provação de um domínio estrangeiro, o povo sente-se desencorajado e pergunta: «Deus ainda está presente em nosso meio?» Zacarias, em oráculos e visões, mostra que Deus continua aí para realizar o seu projeto através da comunidade. O profeta reanima a esperança de um povo que passa por grandes dificuldades materiais e dúvidas de fé e que, por isso, é levado à resignação passiva. Zacarias estimula os compatriotas a arregaçarem as mangas para construir o Templo, símbolo da fé e unidade nacional. Ao mesmo tempo, de maneira realista, incentiva a formação de um novo quadro político, centrado no leigo Zorobabel e no sacerdote Josué.
A segunda parte, formada dos capítulos 9 a 14, foi escrita no período em que os gregos dominavam a Palestina, depois da grande campanha de Alexandre Magno (333 a.C.). O autor olha para o futuro do povo de Deus. Anuncia também o aparecimento do Messias com três características: rei (9,9-10), bom pastor (11,4-17 e 13,7-9) e «transpassado» (12,9-14). Ao ler esta segunda parte, é impossível não lembrar Jesus entrando em Jerusalém montado num jumentinho (rei-messias), ou quando afirma: «Eu sou o bom pastor»; ou ainda sofrendo a paixão e morte na cruz.

18-  MALAQUIAS
UMA RELIGIÃO SINCERA
Introdução
Estimulada pelos profetas Ageu e Zacarias, a comunidade judaica, voltando do exílio da Babilônia, reconstruíra o Templo de Jerusalém e retornara a uma vida normal. Entretanto, cinqüenta anos depois, o desleixo e apatia tomam conta da comunidade, e a fé não é mais força de vida, mas simples culto formalista. Nessa época, surge o último dos profetas clássicos. Ele mostra que a submissão a um frio código de leis não tem sentido; Deus, que ama como pai, exige uma resposta urgente e espera um comportamento de respeito e amor (1,6). Tal resposta não deve ser dada com palavras, mas na prática: uma liturgia celebrada com vida e coração (1,6-2,9; 3,6-12), uma vida matrimonial responsável (2,10-16) e um relacionamento social baseado na justiça (3,4-5).
Em estilo de perguntas e respostas, Malaquias obriga os ouvintes a rever a própria fé e lutar contra a hipocrisia de uma religião desligada da vida cotidiana e da prática da justiça.
Malaquias anuncia também um misterioso mensageiro (3,1), no qual os evangelistas reconhecem João Batista, o precursor de Jesus (cf. Mt 11,10; Lc 7,27; Mc 1,2).
Por fim, o profeta relembra que Deus não se esquece dos justos, isto é, daqueles que procuram levar adiante o projeto de Deus, fazendo-lhe a vontade. A vitória final caberá a eles, e não aos ímpios (3,13-21).


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


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BETIATO, Mario Antonio. Bíblia no Antigo Testamento. Uma História Amargamente Doce. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 2005. Col. Cadernos Temáticos para Evangelização.
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_______________. Bíblia: um Livro Feito em Mutirão. São Paulo: Paulinas, 1990.
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PIXLEY, Jorge. A História de Israel a Partir dos Pobres. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
SICRE, José Luis. Introdução ao Antigo Testamento. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1999.