NOTA INTRODUTÓRIA
AO ESTUDO DA BÍBLIA
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ADVERTÊNCIA IMPORTANTE:
Apresento, a seguir, algumas
noções de exegese católica. A exegese é o estudo rigoroso de um texto, a partir
de regras e conceitos metodológicos, pelos quais se busca alcançar o melhor
sentido daquilo que está escrito. Aplicado ao estudo da Bíblia, chama-se
'exegese bíblica'.
Os conceitos e comentários
exibidos nestas páginas foram compilados a partir de cursos e leituras,
material que agora coloco à disposição dos interessados. Ao divulgar estas
notas, quero homenagear o amigo Padre Luiz Uchoa, grande biblista cearense
falecido em junho de 1998, e contribuir com aqueles que pretendem ler a Bíblia
com maior proveito.
Por oportuno, quero advertir
o leitor sobre o fato de que o estudo da Bíblia é tarefa contínua, não se
esgota, porque se trata de um livro trans-histórico, isto é, ele fala em cada
época para as pessoas daquele tempo. Daí que a interpretação da Bíblia também é
dinâmica e está em constante processo. E convém não esquecer ainda que uma
interpretação mais adequada jamais poderá ser alcançada sem o auxílio da fé,
não basta o simples conhecimento, a simples compreensão.
Por último, quero ressaltar
que o meu intuito aqui é trazer informações de boa procedência. Sei que o
estudo da Bíblia não é realizado somente pelos católicos e que há divergências
quanto à interpretação de certas passagens. Se o leitor discordar dos conceitos
e comentários apresentados, estará exercitando o seu direito de contestar. Não
tenciono, porém, levantar polêmicas.
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PRÓLOGO
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A Bíblia é um livro difícil.
Difícil porque é antigo, foi escrito por orientais, que têm uma mentalidade bem
diferente da greco-romana, da qual nós descendemos. Diversos foram os seus
escritores, que viveram entre os anos 1200 a.C. a 100 d.C. Isso, sem contar que
foi escrita em línguas hoje inexistentes ou totalmente modificadas, como o
hebraico, o grego, o aramaico, fato este que dificulta enormemente uma
tradução, pois muitas vezes não se encontram palavras adequadas.
Outra razão para se
considerar a Bíblia um livro difícil é que ela foi escrita por muitas pessoas,
ás vezes até desconhecidas e em situações concretas as mais diversas. Por isso,
para bem entendê-la é necessário colocar-se dentro das situações vividas pelo
escritor, o que é de todo impraticável. Quando muito, consegue-se uma
aproximação metodológica deste entendimento.
Além do mais, a Bíblia é um
livro inspirado e é muito importante saber entender esta inspiração, para
haurir com proveito a mensagem subjacente em suas palavras. Dizer que a Bíblia
é inspirada não quer dizer que o escritor sagrado (ou hagiógrafo) foi um mero
instrumento nas mãos de Deus, recebendo mensagens ao modo psicográfico. É
necessário entender o significado mais próprio da 'inspiração' bíblica, assunto
que será abordado na continuação.
Entre os católicos, o
interesse por conhecer a Bíblia praticamente começou após o Concílio Vaticano
II, ou seja, a partir dos anos '60, enquanto os Protestantes há muito se
interessam por estudá-la. Não quero adentrar aqui na histórica polêmica
religiosa que cerca a leitura e a interpretação da Bíblia, ressuscitando
vetustas divergências. Apenas vale salientar que uma série de enganos podem
advir de uma interpretação bíblica literal, porque uma interpretação ao
"pé da letra" não revela o sentido mais adequado de todas as
palavras.
Para que não aconteça
conosco incidir neste equívoco, devemos aprender a nos colocar na situação
histórica de cada escritor em cada livro, conhecer a situação social concreta
da sociedade em que ele viveu, procurar entender o que aquilo significou no seu
tempo e só então tentar aplicar a sua mensagem ás nossas circunstâncias atuais.
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NOÇÕES GERAIS
BÁSICAS
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1. O que é a
Bíblia?
Definição do Concilio Vaticano II:
"A Bíblia é o conjunto de livros que, tendo
sido escritos sob a inspiração do Espirito Santo, têm Deus como autor, e como
tais foram entregues à Igreja".
TESTAMENTO (novo ou antigo): é a tradução da palavra
hebraica "berite" que significa a aliança de Deus com o povo por
Moisés. Na tradução dos 70 a palavra "berite" foi traduzida por
"diatheke", que em grego quer dizer aliança, contrato, testamento.
OBS: A 'tradução dos 70' é uma das versões mais
antigas da Bíblia. Segundo a tradição, este trabalho teria sido realizado por
70 sábios da antiguidade.
2. Quais as
partes que compõem a Bíblia?
A Bíblia se divide em duas partes principais: o
Antigo Testamento e o Novo Testamento. O Antigo refere-se ao período anterior a
Jesus Cristo e o Novo se refere ao período cristão. Cada uma destas partes se
compõe de diversos 'livros', escritos em épocas históricas diferentes. A
seguir, a relação dos livros com uma breve referência ao conteúdo deles.
LIVROS DA SAGRADA ESCRITURA
l. Pentateuco (cinco primeiros livros: Gênesis,
Êxodo, Levitico, Números, Deuteronômio)
2. Josué (narra a entrada do povo de Deus na
Palestina)
3. Juizes (narra a conquista da Palestina)
4. I e II de Samuel (relatos da época de Saul e
Davi, continuação da conquista)
5. I e II dos Reis (relatos sobre Salomão e seus
sucessores)
6. I e II das Crônicas (continuação dos relatos
sobre os outros Reis)
7. I e II dos Macabeus (continuação do período dos
Reis)
8. Livro de Rute (faz alusão ao universalismo. Noemi
era pagã e se inseriu no povo de Deus).
9. Livro de Tobias, Livro de Judite, Livro de Ester
(pertencem ao gênero de contos. São livros do tempo do exílio, quando se
apresentavam exemplos de abnegação ao povo oprimido, convidando-os a suportar o
sofrimento).
10. Livro de Isaías (cap.l a 39 são do próprio
escritor; cap. 40 a 55 são de discípulos; cap.56 a 66 são de outros escritores
posteriores)
11. Livro de Jeremias (ditado por este a Baruc, seu
secretário)
l2. Livro de Ezequiel (um dos profetas maiores)
l3. Livro de Daniel (tem um conteúdo apocalíptico )
l4..Livro de Jó (do gênero conto, procura demonstrar
que não só os bons são felizes. Tem por objetivo combater uma idéia comum de
que só os ricos eram os abençoados por Deus).
15. Livros Sapienciais (Eclesiastes ou Qohelet;
Eclesiástico ou Siráside; Provérbios, Sabedoria e Cântico dos Cânticos). São
reflexões de cunho acentuadamente humanístico, aproveitamento do saber
oriental.
16. Livro dos Salmos (coleção de cantos litúrgicos).
17. Profetas Menores: Oséias, Joel, Amós, Abdias,
Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias (chamados
menores não com relação à sua importância, mas ao tamanho de seus escritos).
LIVROS DO NOVO TESTAMENTO
1. Evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas -
têm muitas semelhanças entre si ).
2. Evangelho de João (maior desenvolvimento teórico,
influência filosófica de época)
3. Atos dos Apóstolos (narram a missão dos apóstolos
após a Ressurreição de Cristo)
4. Epístolas de Paulo (historicamente, os primeiros
escritos do NT)
5. Epístolas Católicas (Pedro, Tiago, Judas): dirigidas
a todos os fiéis, por isso, universais.
6. Apocalipse (escrito por João, na base de códigos,
símbolos).
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INSPIRAÇÃO
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Um dos principais conceitos
a ser examinado para uma melhor compreensão da Bíblia é o de inspiração. O que
significa dizer que os livros bíblicos são inspirados, de onde vem esta
inspiração, até que ponto o que é escrito representa a mensagem de Deus ou do
hagiógrafo (escritor sagrado)? Ao longo da história, os estudiosos procuraram
esclarecer este conceito básico e, é claro, sempre houve divergências entre
eles. Apresentamos aqui algumas reflexões sobre este importante conceito.
Na inspiração distinguimos
dois aspectos: dogmático e especulativo.
0 dogmático pode ser
expresso como resposta à pergunta: por que acreditamos que a Bíblia é um livro
inspirado? Isto não se pode provar pela própria Bíblia. Busca-se então provar
pelo fundamento histórico. Os evangelhos, por exemplo, são históricos. Há uma
tradição desde os tempos dos Apóstolos que cita a Escritura como autoridade
divina ( Mt 1, 22; Mt 22, 31; Mc 7,10; Jo 10, 35; At 1,16; Lc 22, 37; Heb 3, 7;
10,15 ). Em 2Tim 3,16, aparece pela primeira vez a palavra 'theopneustos', ou
seja, inspirada por Deus.
0 especulativo pode ser
expresso como resposta à pergunta: em que consiste a inspiração? Este é mais
complicado e será exposto com mais detalhes.
a) Modo da inspiração
É muito discutido o modo
como se dá a inspiração do escritor sagrado. Bañez afirmou que era um ditado.
Mas em II Mac 2, 19-23, o autor se refere a um resumo de 5 livros em um só,
cujo resumo lhe custou "suores e noites de vigília". Como é que foi
um ditado se houve o esforço dele para elaborar a síntese? Do mesmo modo Lucas
(Lc l,1) escreve: "depois de haver diligentemente investigado tudo desde o
principio, resolvi escrever... ", logo não foi simplesmente um 'ditado' da
parte de Deus.
Em reação à teoria do ditado
veio outra que disse o contrário: a inspiração é a aprovação que a Igreja dá ao
livro. O fato estar colocado no cânon é a garantia da própria inspiração. Esta
tese foi defendida por poucos e não teve grande aceitação nos meios católicos.
O Cardeal Franzelin propôs
uma nova fórmula: nem tudo é de Deus nem tudo é do homem, mas as idéias são de
Deus e as palavras são do homem. Obteve um certo sucesso, mas ainda não
explicou de todo. Sto. Tomás de Aquino propusera a teoria da "causa
instrumental": são os dois ao mesmo tempo - Deus e o Homem. Ambos estão
presentes em toda a obra, Um é o autor principal e o outro o autor secundário.
A inspiração eleva, sublima as faculdades do autor. Pode até ser admitida esta
teoria, entretanto, convém lembrar que tudo que está na Bíblia é inspirado,
embora nem tudo seja revelado.
b) Funcionamento psicológico da inspiração
Em II Mac, conforme
mencionado acima, o autor se refere a um resumo do livro que um certo Jazão
escreveu. De 5 volumes ele reduziu a um só. Como dizer que isto é palavra
inspirada por Deus, como se explica aí a inspiração divina?
Comecemos por analisar as
operações do intelecto: apreensão, juízo e raciocínio. Elas seguem um grau de
aprofundamento e refinamento do saber. Pode-se ter uma inspiração de Deus logo
no primeiro momento (na apreensão), como se pode ter depois, no juízo ou também
nos dois. Quando a inspiração é logo na apreensão, se diz 'revelação'. Quando,
como no caso do II Mac, a apreensão é do autor, a inspiração se dá no segundo
momento, ou seja, no juízo, enquanto na apreciação que ele faz da obra está
sendo iluminado pelo Espírito Santo. Na confecção destes livros, a questão da
inspiração é que o autor estava iluminado pelo Espirito Santo para dizer o fato
corretamente, sem poder errar no julgamento. Embora ele não esteja consciente
disso, a ação do Espírito Santo está sendo exercida no seu intelecto.
Mas, pode-se questionar:
como se sabe se ele foi ou não inspirado quando nem ele mesmo pode perceber
isso? Aí passa a ser uma questão de fé. Tenta-se explicar o fato, mas não se
afirma que seja assim. 0 discernir se o livro é ou não inspirado, dado o que
acontece com o autor, é alçada da Igreja, que também é inspirada pelo Espírito
Santo. É uma questão fundamentalmente de fé.
Por isso, para a definição
do livros autênticos, reconhecidos pela Igreja Católica, os Cânones foram
aprovados em Concílios, nos quais se discutiram certas dúvidas a respeito de
alguns livros, se eram ou não inspirados. Nas discussões, procurou-se ver na
historia da Igreja, desde os cristãos primitivos até aquela época, quais os
livros que durante os séculos sempre foram lidos nas Igrejas e, baseada no
consenso, ela constituiu o cânon. Sem dúvida, a tradição antiga é mais
fidedigna, pois está mais próxima dos tempos apostólicos.
Mas, voltando ao conceito do
juízo, ele pode ser especulativo ou prático. Especulativo quando tem por fim o
verdadeiro; prático guando tem por fim o bem. No caso de Jonas, por exemplo, o
juízo do autor não foi especulativo, mas prático. Jonas teve o sonho em que
Deus o mandava pregar em Nínive. Ora, raciocinou ele, Javé é Deus de Israel, e
não deve ser falado aos pagãos. Então tomou o navio para outro lugar, e aí
entra a história da baleia... A finalidade do autor era convencer a todos que
Javé era o Deus universal, contra uma certa corrente judia que negava fato, ou
melhor, não gostava da idéia.
Para se entender cada página
da Bíblia deve-se ter em mente a finalidade, a intenção do autor ao escrever
cada parte do livro. Não se pode abrir o livro em qualquer parte e ler tudo com
o mesmo espirito. Na antiga concepção de inspiração (ditado) não se considerava
este problema. Tudo que lá estava se acreditava "ao pé da letra". Não
se podia duvidar. Mas esta é hoje uma prática mais comum em algumas igrejas
protestantes, geralmente praticada por pessoas com conhecimentos teológicos
limitados e reducionistas.
Uma conseqüência direta da
inspiração é o dom da inerrância. Se o livro é inspirado, logo o que contém é
verdade. Porém esta verdade não está ali imediatamente evidente, ela precisa
ser alcançada pela reflexão animada pela fé, ou seja, a razão e a fé
ajudando-se mutuamente.
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ORIGEM E FORMAÇÃO
DA BIBLIA
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1. Indícios e evidências históricas
O período histórico da formação da Bíblia situa-se
entre 1100 a. C. ou 1200 a. C. a 100 d. C. Provavelmente, a mais antiga parte
escrita da Bíblia é o Cântico de Débora, que se encontra no livro dos Juízes
(Jz, 5).
Quando os hebreus chegaram a
Canaã, já havia na terra um certo desenvolvimento literário, como por exemplo,
o alfabeto fenício (do qual se derivou o hebraico), que já existia no século
XIV a. C. Os judeus chegaram lá por volta do século XIII a.C. Outro documento
desta época é o calendário de Gezér, que data mais ou menos do ano 1000 a.C. É
uma indicação de datas para uso dos agricultores. É o documento mais antigo encontrado
na Palestina. Outro documento também muito antigo é o sarcófago do Rei Airam,
que contém uma inscrição e foi encontrado nos séculos XIV ou XV a. C., em
Biblos. Há ainda umas tabuletas encontradas em Ugarit (em 1929), onde estão
escritos uns poemas semelhantes aos salmos, datando dos séculos XIV ou XV a. C.
Além destes, há outros
documentos provando que já havia uma escrita na Palestina, antes dos hebreus
chegarem lá. A inscrição do túmulo de Siloé (700 a. C.), explicando como foi
feito; os "óstracon", de Samaria, onde há uma espécie de carta
diplomática, são documentos que provam a continuidade de uma atividade
literária. Em Juizes 8,14, o autor descreve um acontecimento ocorrido mais ou
menos em 1100 a.C. E em que língua foi escrito este fato pela primeira vez, na
época em que aconteceu? Provavelmente no alfabeto fenício (pré-hebraico).
2. A tradição oral e a tradição escrita
A parte mais antiga da
Bíblia remonta justamente deste tempo (1100 a.C.), quando a escrita ainda não
estava bem definida, e é oral. Desde este tempo já se fora criando uma
tradição, que existia oralmente e era transmitida aos novos pelos mais velhos
nas reuniões que havia nos santuários. Por este tempo, só eram relatados os
acontecimentos do deserto, do Sinai, da aliança de Deus com o povo. Mas os
jovens queriam saber o que havia acontecido antes disto. Então foram sendo
compostas as histórias dos Patriarcas. Mas, e antes deles, antes de Abraão?
Passaram à história da criação do mundo. Por isso, se afirma que a parte mais antiga
da Bíblia é o Cântico de Débora, no livro dos Juizes. A partir daí, fez-se um
retrospecto didático-histórico.
Como dissemos, estas
histórias iam sendo passadas oralmente de pai a filho, nos santuários. Acontece
que nem todos iam para os mesmos santuários, o que motivou a existência de
pequenas diferenças na catequese do norte e na do sul. A tradição do sul foi
chamada de JAVISTA (J), pois Deus era tratado sempre por Javé; a do norte se
chamou ELOISTA (E), porque Deus era tratado como Eloi.
A tradição oral existiu até
os tempos de Daví, quando foi escrita a tradição javista; meio século depois,
foi escrita também a eloista. Por volta de 721 a.C., na época, da divisão dos
reinos, quando Samaria foi destruída pelos assírios, muitos sacerdotes do norte
fugiram para o sul e levaram consigo a sua tradição. A partir de então, as duas
foram compiladas num só escrito.
Falamos das duas tradições:
uma do norte e outra do sul. Mas não existiam apenas estas duas, que são as
principais. Há ainda a DEUTERONOMICA (D), encontrada casualmente em 622 a. C.
por pedreiros, que trabalhavam num templo. Corresponde ao livro Deuteronômio da
Bíblia atual. Após esta, surgiu a SACERDOTAL (P), nova compilação das
catequeses antigas de Israel, datada do século VI a.C. Ao fim, estas quatro
tradições foram combinadas entre si e compiladas em 5 volumes, dando origem ao
Pentateuco da Bíblia atual. Na tradição Javista, Deus é antropomórfico. Na
Sacerdotal, Deus é poderoso, está acima do tempo, o que significa um progresso
no conceito de Deus que o povo tinha. A redação do Pentateuco se deu pelo ano
398 a.C. e compreendia a primeira parte da Bíblia judaica.
A partir de Josué, a
tradição continuou oral, para ser escrita somente por volta de 550 a.C. E foram
escritas do modo como o povo contava. Por isso não se pode dar a mesma
importância histórica aos fatos descritos nestes livros em relação a outros
posteriores, pois alguns fatos narrados foram baseados na tradição popular,
enquanto que outros foram baseados em documentos de arquivos (anais do Reino).
Este é um grande desafio para os estudiosos e também uma fonte de divergências.
3. Os Intérpretes - Profetas e Sábios
Durante muito tempo, os
profetas foram os orientadores do povo de Deus. Os livros proféticos resumem os
seus ensinamentos, e na sua maioria foram escritos só mais tarde, por seus
seguidores. Somente por volta do ano 200 a.C. é que foram redigidos os livros
proféticos. Os livros Sapienciais foram o resultado de um estilo literário que
esteve em moda durante muito tempo, na época posterior ao exílio. São umas
reflexões humanistico-religiosas. Passados os profetas, surgiram os sábios que
raciocinavam sobre as coisas da natureza, tirando delas ensinamentos para a
vida. Foram acrescentados aos livros sagrados nos últimos séculos a.C., sendo
os mais recentes livros do AT.
4. A nova tradição da era cristã
O NT não foi escrito com a
finalidade de ser acrescentado à Bíblia. No tempo de Cristo e dos Apóstolos, o
livro sagrado era apenas o AT. O próprio Jesus Cristo se baseava nele em suas
pregações. E Ele mandou apenas pregar, e não escrever. Foi quando uma nova
tradição oral foi se formando. E após a morte de Cristo, os apóstolos saíram
pregando.
Mas veio a necessidade de
congregar outras pessoas para o anúncio, em vista do grande número de
comunidades existentes. Então, começaram a escrever. Mais tarde, com a
aceitação também de cidadãos estrangeiros nas comunidades, a mensagem precisou
ser traduzida e adaptada. Além disso, o próprio povo necessitava de uma escrita
(doutrina escrita) para se conservar una, após a morte dos Apóstolos. Esta
redação, no início, era apenas de alguns escritos esparsos, que só depois de
algum tempo foram juntos em livros. Exemplo disso está em Mc 2, uma série de
disputas de JC com os Judeus, onde se vê claramente que foi recolhida de
escritos separados. Também em João se lê: "Muitas outras coisas Jesus fez
que não foram escritas..." (Jo 21,24) Isto significa que só foram escritas
aquelas mensagens que teriam utilidade, conforme as necessidades momentâneas.
O evangelho de Marcos, o
primeiro a ser escrito, data dos anos 60 ou 70 d.C.; os de Lucas e Mateus, são
de 70 ou 80, o que significa que somente após uns 40 anos da morte de JC sua
palavra começou a ser escrita. 0 Evangelho de João só foi escrito em torno do
ano 100 d.C. Antigamente, se acreditava ser Mateus o autor do primeiro
Evangelho. Mas a critica histórica mostra que o de Marcos foi anterior. Aliás,
a respeito deste evangelho de Mateus, não se sabe ao certo quem é o seu autor.
Foi atribuído a Mateus, apenas por uma tradição e também por uma praxe da época
de se atribuir um escrito a alguém mais conhecido e famoso, para que a obra
tivesse mais autoridade.
5. Entendendo algumas dificuldades concretas
Durante o tempo anterior á
escrita dos Evangelhos, havia apenas a pregação dos Apóstolos, recordando os
fatos da vida de Cristo, todavia eram fatos esparsos, sem nenhuma preocupação
com seqüência ou unidade. Por isso os Evangelhos, que foram esta pregação
escrita, se contradizem em algumas datas, o que mostra a pouca importância dada
à cronologia. Os fatos eram recordados e aplicados, conforme as necessidades.
Assim, até entre os Evangelhos sinóticos, que seguiram a mesma fonte, há
diversificações. Por exemplo, no Sermão da Montanha, em Lucas fala "bem
aventurados os pobres"; e em Mateus, "bem aventurados os pobres de
espírito". A diferença consiste no seguinte: Lucas deu um sentido social,
mais importante para as comunidades gregas, para as quais escrevia. Mas o de
Mateus destinava-se às comunidades judias e queria combater uma doutrina dos
judeus que tinham uma idéia falsa de pobreza. Para eles, o próprio fato de a
pessoa ser pobre, já lhe garantia a salvação, enquanto outra pessoa, pelo
simples fato de ser rica, já estava condenada. Por causa disso ele escreveu
"pobres de espírito".
Outro ponto de discordância
é o caso da cura de um cego. Mateus diz "um cego, na saída de
Jericó"; e Lucas "dois cegos, na entrada de Jericó". 0 fato da
'entrada' e 'saída' pode ser explicado pela existência de duas cidades chamadas
Jericó. 0 fato de serem um ou mais cegos explica-se pelo seguinte: era comum
naquele tempo os cegos formarem grupos em torno de um cego-lider; e o nome
deste geralmente era o do grupo. No entanto, estes detalhes pouco importam ao
evangelho. 0 seu interesse é a apresentação da mensagem (evangélion = boa
nova).
6. A fonte comum
Os Evangelistas sinóticos se
basearam no Evangelho de Marcos e noutra fonte, convencionada por fonte
"Q", simbolizando os inúmeros escritos esparsos de que já tratamos.
Espalharam cópias destes por outras partes do mundo. Lucas, Mateus, cada um em
lugares diferentes, se inspiraram nos escritos disponíveis e inclusive no
evangelho de Marcos, que na época já havia sido escrito. O fato do primeiro
Evangelho ser atribuído anteriormente a Mateus se deve a uma afirmação de
Eusébio de que Mateus escrevera a "logia" do Senhor em aramaico. Mas
a crítica histórica provou que o Evangelho que conhecemos não traz apenas a
"logia" do Senhor e não foi escrito em aramaico, e sim em grego.
Portanto a noticia de Eusébio se refere a outro escrito, e não a este
evangelho. Nada impede, porém, que tenha sido escrito por discípulos de Mateus
e atribuído ao Mestre. Aliás, a respeito de "Evangelho", o primeiro a
usar esta palavra para indicar as memórias dos Apóstolos foi S. Justino, em 130
d.C.
7. As Cartas
As cartas de Paulo foram
enviadas para serem lidas em público. Em I Tes 5, 27 há uma alusão a isto.
Havia também o intercâmbio das cartas, como se lê em Col 4,16: "mostrem
esta carta para Laodicéia e tragam a de lá para vocês". Aos poucos as
cartas foram colecionadas, e no fim do I século já se tem notícia delas, quando
em II Ped 3,15 se lê: "...nosso irmão Paulo vos escreveu conforme o dom
que lhe foi dado... " As cartas de Paulo foram os primeiros escritos do
NT. Não se sabe quando os Evangelhos e elas foram acoplados, mas já no fim do I
século estavam reunidos num só livro.
As Epistolas Católicas
(universais) são chamadas assim por se destinarem à Igreja em geral, e não a
tal ou qual comunidade, como fizera Paulo. Elas também se originaram da
necessidade pastoral, e já no começo do II século estavam incorporadas aos
outros escritos do NT. Os Atos dos Apóstolos podem ser considerados a
continuação do terceiro Evangelho, pois também foi escrito por Lucas. E o
Apocalipse de S.João, livro profético, foi acrescentado por último.
Nos escritos do NT,
freqüentemente se encontram citações do AT. É que muitas vezes os Apóstolos
queriam tirar dúvidas sobre certas passagens, que tinham falsa interpretação.
Nas assembléias, eram lidos escritos do AT e do NT, para explicá-los. Exemplo
disto temos em I Tes 4,15; I Cor 7,10.25.40; At 15, 28; I Tim 5,18; Lc 10,7.
8. O Cânon Sagrado
No século III, a Igreja se
reuniu em Concilio em Hipona, e uma das tarefas era organizar o
"cânon", ou a lista de livros sagrados considerados autênticos. Neste
Concilio, os livros foram estudados e se investigou quais os que sempre foram
lidos nos cultos e sempre foram considerados legítimos. E se estabeleceu a
ordem ainda hoje conservada. O motivo pelo qual alguns livros foram postos em
dúvida era a grande quantidade de livros apócrifos, que fazia com que se
duvidasse dos verdadeiros. Havia muitos livros que os judeus não aceitavam.
Então os Ss. Padres ponderaram os prós e contras e definiram a lista que foi
aprovada.
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HERMENÊUTICA -
INTERPRETAÇÃO DA BIBLIA
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1. Conceito
A palavra 'hermenêutica' vem
do verbo 'hermenêuein' (interpretar). E esta interpretação foi entendida
diversamente através dos tempos. Por isso, temos três tipos de exegese: l.
rabínica; 2. protestante; 3. católica.
2. Exegese Rabínica
Os judeus interpretavam a
escritura ao pé da letra, por causa da noção de inspiração que tinham. Se uma
palavra não tinha sentido perceptível imediatamente, eles usavam artifícios
intelectuais, para lhes dar um sentido, porque todas as palavras da Bíblia
tinham que ter uma explicação. O exemplo do paralítico é antológico: ele
passara 38 anos doente. Por que 38? Ora, 40 é um número perfeito, usado várias
vezes na vida de Cristo (antes da ressurreição, no jejum) ou também no AT
(deserto, Sinai). Dois é outro número perfeito, porque os mandamentos (vontade)
de Deus se resumem em "2": amar Deus e ao próximo. Portanto, tirando
um número perfeito de outro, isto é, tirando 2 de 40 deve dar um número
imperfeito (38) que é número de doença...
Alegoria pura: neste sentido
se entende a condenação de certas teorias que apareceram e eram contrárias à
Bíblia (caso de Galileu). Assim era a exegese antiga. No século XVIII, o
racionalismo fez o extremo oposto desta doutrina: negaram tudo que tinha alguma
aspecto de sobrenatural e mistério, e procuravam explicações naturais para os
fatos incompreensíveis, assim por exemplo, dizendo que Cristo hipnotizava os
ouvintes e os iludia dizendo que era milagre. JC não ressuscitou, mas ele
apenas havia desmaiado na cruz, e quando tornou a si saiu do sepulcro... Talvez
não o fizessem por maldade. Era por principio filosófico.
A Igreja primitiva herdou
muito do rabinismo, no início, mas depois se libertou. Começaram por ver na
Bíblia vários sentidos: literal, pleno e acomodatício. Literal: sentido
inerente ás palavras, expressão pura e simples da idéia do autor; Pleno:
fundado no literal, mas que tem um aprofundamento talvez nem previsto pelo
autor. Deus pode ter colocado em certas palavras um significado mais profundo
que o autor não percebeu, mas que depois se descobre. Deus, como autor, fez
assim. A palavra do profeta se refere a uma situação histórica; a palavra de
Deus se refere ao futuro. Acomodatício: é a acomodação a um sentido à parte que
combina com as palavras. É a Bíblia aplicada à realidade apenas pela
coincidência dos textos. Por exemplo, em Mt se lê "do Egito chamei meu
filho"... para que se cumprisse a Escritura. Mas o sentido, ou seja, a
aplicação original deste trecho não se referia à volta da Sagrada Família, mas
sim à saída do Povo do Egito. Esta acomodação foi explorada demasiadamente
pelos pregadores, que até abusaram disto. Outro exemplo de acomodação é a
aplicação a Maria dos textos do livro da Sabedoria. Estes são mais literatura
que Escritura. Todavia, crendo-se na inspiração, aceita-se que as palavras do
autor podem ter uma significação mais profunda que a original.
3. Exegese Protestante
Surgiu do protesto de alguns
cristãos contra a autoridade da Igreja como intérprete fiel da Bíblia. Lutero
instituiu o princípio da "scritura sola" (traduzindo, a escritura
sozinha), sem tradição, sem autoridade, sem outra prova que não a própria
Bíblia. A partir daquele instante, os Protestantes se dedicaram a um estudo
mais acentuado e profundo da Bíblia, antecipando-se mesmo aos católicos. Mas o
princípio posto por Lutero contribuiu para um desastre hermenêutico, pois ele
mesmo disse que cada um interpretasse a Bíblia como entendesse, isto é, como o
Espirito Santo o iluminasse.
Isto fez surgir várias
correntes de interpretação, que podem se resumir em duas: a conservadora e a
racionalista. A conservadora parte daquele principio da inspiração = ditado, em
que se consideram até os pontos massoréticos como inspirados. Não se deve
aplicar qualquer método cientifico para entender o que está escrito. É só ler
e, do modo que Deus quiser, se compreende. A racionalista foi influenciada pelo
iluminismo e começou a negar os milagres. Daí passou à negação de certos fatos,
como os referentes a Abraão. Afirmam que as narrações descritas, como provam o
vocabulário, os costumes, são coisas de uma época posterior, atribuído àquela
por ignorância. Esta, teoria teve muito sucesso e começaram a surgir várias
'vidas' de Jesus em que ele era apresentado como um pregador popular,
frustrado, fracassado...
Outros ainda interpretavam o
Cristianismo dentro da lógica hegeliana: São Paulo, entusiasmado, teria feito
uma doutrina, que atribuiu a JC (tese); depois São João, com seu Evangelho
constituiu a antítese; finalmente São Marcos fez a síntese. Hoje, porém, se sabe
que Marcos é o mais antigo. Estes intérpretes se contradizem entre si, o que
provocou uma certa desconfiança. Por fim, a própria arqueologia, em auxílio do
Cristianismo, veio provar com a descoberta de vários documentos históricos que
a Bíblia tinha razão: aqueles costumes, aquele vocabulário eram realmente
daquela época, inclusive o uso dos nomes Abraão, Isaac também eram comuns no
tempo. Isto e outras coisas serviram para desmentir tais idéias iluministas.
4. Exegese Católica
Inicialmente, apegou-se
muito aos métodos tradicionais: usava mais a tradição e menos a Bíblia. Mesmo
no século XIX, a tendência era ainda conservar a apologética, a defesa da fé.
Foi o Padre Lagrange quem iniciou o movimento de restauração da exegese
católica. Começou a comentar o AT com base na critica histórica. Mas foi alvo
tantos protestos que não teve coragem de continuar. Em seguida, comentou o NT,
e ainda hoje é autoridade no assunto. A Igreja Católica custou muito a perceber
o seu atraso no estudo bíblico, e até bem pouco tempo ainda afirmava ser Moisés
o autor do Pentateuco, quando os protestantes há mais de um século já
descobriram que não.
O primeiro passo da nova
exegese da Igreja Católica foi dado por Pio XII, em 1943, com a encíclica
DIVINO AFFLANTE SPIRITU, na qual aprovou a teoria dos vários gêneros literários
da Bíblia. Depois, em 1964, Paulo VI aprovou um estudo de uma comissão bíblica
a respeito da história das formas (formgeschichte). E hoje em dia, tanto os
exegetas católicos como os protestantes são a favor desta, e qualquer livro
sério sobre o assunto traz este aspecto. Protestantes citam católicos e vice
versa, sem nenhuma restrição.
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HISTÓRIA DAS
FORMAS - GÊNEROS LITERÁRIOS
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1. HISTÓRIA DAS FORMAS ("FORMGESCHICHTE")
É o padrão da exegese moderna. Em geral todo método
exegético moderno aborda os seguintes tópicos:
a) critica textual - se os manuscritos originais
desapareceram ou nunca foram encontrados, como se sabe se o texto atual
corresponde ao original? Até que ponto é fiel? Em 1008, foi encontrado um
manuscrito básico para a edição da melhor bíblia hebraica que se tem hoje. Está
no museu de Leningrado. Mas, questiona-se: por quanto tempo o livro foi sendo
recopiado, e foi adquirindo erros de escrita? Muitas vezes, vários manuscritos
(cópias) de um mesmo livro trazem palavras diferentes. E por que tanta fé neste
manuscrito?
O manuscrito mais antigo
(até pouco tempo) do AT era composto de fragmentos de um papiro do I ou II
século a.C. Os beduínos acharam às margens do Mar Morto vários manuscritos
datando do II século a.C. e há alguns, como o livro de Isaías, cujo texto é
quase completamente igual ao que temos. A Bíblia original (copiada) data do
século II d.C. Os rabinos tinham muito cuidado em transmitir a doutrina, e
procuravam unificar os textos. Os textos velhos eram colocados em lugares onde
ninguém podia mais usá-los, chamados gezidas. Numa destas gezidas foi
encontrado um documento do ano 800, aproximadamente, do qual aquele de 1008 é
cópia. A diferença entre ambos é pouquíssima. Ora, se a nossa Bíblia é a
tradução daquele manuscrito, considerado autentico, aquela Bíblia é a melhor.
b) 'sitz in leben'- Há livros que antes de serem
escritos, foram passados oralmente por várias gerações. Cada manuscrito que
serviu para a composição de um texto tem uma história diferente. Por isso eles
dividem as perícopas e estudam as tradições e fontes delas. E como o manuscrito
chegou a esta fonte? Deste estudo se deduz a 'sitz in leben' (situação na vida)
deste manuscrito no gênero literário. A 'sitz in leben' que este gênero
literário tem na comunidade; a 'sitz in leben' desta comunidade na história.
c) história da redação - Por que há certas palavras
a mais ou a menos nos Evangelhos? Isto varia com a 'sitz in leben' do
manuscrito. Quem determina isto é a critica literária. Tudo isto dentro do
estudo da história das formas.
6. PRINCIPAIS GENEROS LITERÁRIOS DA BÍBLIA
Dividem-se assim os diversos gêneros literários
encontrados na Bíblia:
a) Narrativo: histórico e didático
b) Legislativo
c) Sapiencial
d) Profético
e) Cânticos
a) narrativo-didático: mito, saga, legenda, conto,
fábula, alegoria, parábola
l. mito - conto que se passa com deuses, ou cujos
personagens são os deuses. Têm tonalidade solene e são originários de círculos
politeístas. A mitologia babilônica, por exemplo, muito influenciou no povo de
Israel, que sempre foi monoteista. Isto se vê nos salmos 103, 6-9; 17, 8-16;
88, ll e nos proféticos: Job 26, l2. Nos livros históricos, a influência é mais
velada. Mas a árvore da vida do Gênesis já existe num poema de Gilgames (de
origem Babilônica): um herói perguntou a um seu antepassado que era deus, onde
ficava a árvore da vida. Ele a encontrou no fundo do mar, e levou um ramo para
plantar. Tendo sede, foi beber num poço e uma serpente levou o seu ramo. A
história do dilúvio tem uma similar na cultura babilônica. É o caso de uma
deusa que era amada ao mesmo tempo por um deus e por um homem. Então para matar
o homem, o deus mandou o dilúvio.
O importante a se notar
nisso tudo é que, ao ser transcrita para o livro sagrado, o autor purifica a
lenda, tirando as características politeístas e servindo-se da cultura popular
para levar uma mensagem. A árvore da vida, na bíblia, significa que o homem foi
criado para não morrer. Na sabedoria babilônica, explicam que o mundo nasceu de
uma briga dos deuses. O deus vencido foi partido ao meio. De uma metade fez o
deus vencedor o céu; de outra fez a terra. Depois pediu a um deus artista que
fizesse o homem com o sangue apodrecido do deus vencido. Por isso, o homem e o
mundo são maus do principio. O autor sagrado aproveita-se destes elementos, mas
purificando-os e adaptando-os. A tradicional briga dos anjos com Lucifer existe
num mito fenício sob a forma de uma briga de deuses. A linguagem mítica da
bíblia, o antropomorfismo de Deus... tudo isto tem origem desta inspiração na
literatura exterior a Israel.
2. saga - contos que se ligam a lugares, pessoas,
costumes, modos de vida dos quais se quer explicar a origem, o valor, o caráter
sagrado de qualquer fenômeno que chama a atenção. A saga se chama etiológica
quando procura a causa de um fenômeno. Por exemplo, para explicar a existencia
de uma vegetação pobre e espinhosa na região sul ocidental do Mar Morto, surgiu
a lenda de Sodoma e Gomorra, a chuva de enxofre... A origem de várias estátuas
de pedra, formadas pela erosão é explicada pela história da mulher de Ló, que
foi transformada em estátua. A narrativa de Caim e Abel é outra, para explicar
a origem de uma tribo cujos integrantes tinham um sinal na testa. Explicavam
que Deus colocara um sinal em Caim para que ninguém o matasse, e daí este sinal
ficou para a descendência. O próprio nome de Caim é inventado, porque a tribo
tinha o nome de cainitas e eles deduziram que seu fundador devia chamar-se
Caim.
A saga se chama etimológica
quando é para explicar um nome. Existe na Palestina uma Ramat Leqi (montanha da
queixada). Para explicar a origem deste nome eles inventaram a estória de
Sansão, um homem muito forte, que lutara contra muitos inimigos usando uma
queixada, e os vencera. Depois ele jogou a queixada naquele monte, que ficou c
conhecido como monte da queixada. 0 caso das filhas de Ló (Gen, 19) é uma
história difamatória contra os amonitas e moabitas, tradicionais inimigos de
Israel. (Amon e Moab significam 'do pai'). Outras sagas da Bíblia: a de Noé
embriagado; a briga de Labão com Jacó (Gen 31). A saga se chama heróica quando
tem por finalidade engrandecer a vida dos heróis do passado. O valor da saga
está na riqueza popular (folclórica) que ela traz. Nem sempre há lição em cada
uma. Mas a fartura de detalhes que ela traz mostra a mentalidade do povo. Seu
valor é maior para a critica literária.
3. legenda - distingue-se da saga porque se refere a
pessoas ou objetos sagrados e querem demonstrar a santidade destes por meio de
um fato maravilhoso. Legendas na Bíblia há em Num 16,1 - 17,15: histórias a
respeito de Moisés; Dan l, 2, 3, 4: sonhos de Daniel; Os milagres de Elias
contra os sacerdotes de Baal; Gen 28,10: Jacó sonha com os anjos (pedra de
Betel). É comum nas legendas referir-se à lei ou objeto de culto. A imolação de
Isaac, que não deu certo, é para reprimir um costume dos cananeus de imolar
crianças, costume proibido pela lei de Moisés. A serpente de bronze (Num 21) se
refere a uma serpente de bronze mandada fazer pelo rei Manassés, que foi
destruída por Javé. A circuncisão (Gen 17) é explicada assim: Deus apareceu a
Abraão para fazer aliança com ele e o pacto era a circuncisão de todos os
meninos no oitavo dia. Jos 5, 9 e Ex 12 e 13 falam da origem da Páscoa.
4. parábolas, fábulas, alegorias - parábola é uma
história comparativa, de sentido global (ex: II Sam 12, 1-4); fábula é a
narrativa que faz os seres inanimados ou os animais falarem (ex: Juízes, 9,7);
alegoria é uma história comparativa em que cada elemento tem um significado
particular (ex: Is 5, 1-7). Há ainda o apólogo, quando se trata da animação de
objetos.
b) narrativo-histórico
Difere do didático porque pretende contar um fato
acontecido realmente. Há três tipos:
1. popular, onde ninguém sabe o fim da lenda e o
começo da história. É uma história primitiva, baseada em histórias que corriam
na boca do povo, um misto de elementos verídicos e legendários acrescentados.
Os livros Josué e Juízes (550 a.C.) estão nesta categoria.
2. epopéia (nacional-religiosa) são histórias
retiradas da catequese do povo. Se bem que tenham elementos acrescentados,
todavia a mensagem pode ser considerada autêntica. O exemplo mais típico deste
gênero é a narração epopéica da passagem do mar vermelho (Ex. 14 ). A fuga de
Israel do Egito está ligada a um fato acontecido no tempo de Ramsés II. Ele foi
um faraó que empreendeu grandes conquistas, principalmente à procura de
escravos para trabalhar. Entre os povos submetidos havia um grupo de judeus.
Mais tarde, fraquejou a vigilância, e muitos fugiram, inclusive muitos judeus.
Então eles empreenderam a fuga pelo deserto e se aproveitaram de uma região
onde havia um braço de mar que secava durante a maré baixa para sair do
território egípcio.
Esta narrativa na Bíblia é
contada com todos aqueles retoques conhecidos. Mas se analisarmos bem, veremos
que na própria Bíblia, há duas citações do mesmo fato, e cada uma conta
diferente. São as duas tradições: a javista, mais antiga e mais verdadeira,
afirma que o vento soprou durante toda a noite e fez o mar recuar; a sacerdotal,
mais recente, modificou a narração para a divisão das águas em duas muralhas
por onde todos passaram em seco. Há uma certa contradição nestas duas. Mas o
que se deve concluir daí é que os soldados os perseguiram na fuga e eles
passaram na maré baixa. Quando os soldados chegaram, a maré já subira e não
dava passagem. Enquanto isso, eles se adiantaram ainda mais. Ao transcrever
isto na Bíblia, o autor sagrado quer mostrar o fato da presença de Deus em
ajuda de seu povo, através dos elementos da natureza.
3. historiográfico - é o trabalho dos escribas
encarregados de escrever as crônicas dos anais dos reis. A partir destas
crônicas vários livros foram escritos. 0 I Reis, cap. 11, vers.41 cita os anais
de Salomão; em 14, 19 afirma que o restante está nos livros das crônicas dos
Reis de Israel. São documentos de maior credibilidade, porque são mais
históricos. Somente a partir do livro dos Reis, é que são usados documentos
escritos na época. Antes era apenas história popular.
c) Legislativo
É representado na Bíblia
principalmente no Pentateuco. Tem muito em comum com os outros povos vizinhos e
herdou muito deles. Há passagens na Bíblia que são repetições do código de
Hamurábi. Os povos orientais são muito ricos neste tipo de literatura. Quanto
aos tipos de leis, há três: 1. leis causídicas: pormenorizadas conforme as
situações; 2. leis apodíticas: universais; 3. leis rituais.
d) Sapiencial
Originou-se também dos povos
vizinhos, principalmente a partir do Exilio. São de origem profana e não
religiosa, pois as suas fontes também não eram religiosas. 0 povo oriental é
pensador por natureza e a sabedoria é uma virtude muito difundida e apreciada.
A sabedoria bíblica não difere muito da sabedoria oriental em geral.
e) Profético
Também tem origem fora de
Israel. Os povos da época tinham seus profetas. Eles moravam nos palácios dos
reis e eram os que dialogavam com os deuses. É preciso notar que naquela época
profeta não era sinônimo de adivinho, como às vezes se identifica.
Eles·manifestavam ao povo a vontade de Deus com sermões, com sinais, exortações
e oráculos.
f) Salmos
Também tem influência
externa (fora de Israel). Não são todos de Davi. Apareceram conforme as
necessidades. Foram compostos sem sequência ou cronologia. São cantos de
louvor, de súplica.
PRINCIPAIS ETAPAS DA HISTÓRIA DE ISRAEL
0 primeiro marco importante
na história politica de Israel foi o exílio. Sua finalidade politica era para
evitar a rebelião. Em geral, quando era conquistado um povo muito numeroso, os
conquistadores achavam perigoso deixá-los em suas terras de origem, porque isso
lhes facilitava um trabalho oculto de rebelião para expulsar os invasores.
Então, longe de suas terras e sem uma liderança, eles não podiam se movimentar.
Os judeus foram assim exilados para a Babilônia. 0 exílio teve início no ano
587 e foi concluído com o edito de Ciro que, em 538 conquistou a Babilónia e
libertou os judeus.
Dizem os historiadores que a
rivalidade entre judeus e samaritanos começou na volta do exílio. O povo no
exilio ficou muito tempo em contado com vários povos estrangeiros e adquiriu
com isto um sincretismo religioso que levaram para a Pátria. Ao retornarem à
patria, logo eles empreenderam a reconstrução de Jerusalém (casas, templo...),
mas não se livraram completamente das influências politeístas, causando assim
várias brigas internas.
O Sinédrio era a cúpula
religiosa da nação, composta de 70 membros sob a presidencia do Sumo Sacerdote,
que tinha autoridade suprema. Os fariseus e saduceus eram partidos politicos,
mas com inspiração religiosa. Os primeiros eram da oposição e os outros, da
situação. No ano 63 a.C, a Palestina foi conquistada pelos Romanos, iniciando
outra era de dominação estrangeira, que perdurou até o tempo de Cristo.
CRONOLOGIA BÍBLICA
* séc.XIX (1850 a.C) - migração de Abraão.
* séc.XIII - libertação do Egito; êxodo (1225 a.C.);
aliança no Sinai.
* séc X - (1013 a 973) - Tempo do Rei Davi. Foi
escrita a tradição javista (sul);
(970 a 930) - Tempo do Rei Salomão. Foi escrita a
tradição eloista. (norte);
(930) - divisão dos reinos.
* séc VIII (722) - queda de Samaria para o exército
de Sargão II, Profetas escritores.
* séc VII (586 ) - queda de Jerusalem para
Nabucodonosor, rei da Babilônia;
(538) - edito de Ciro, volta do exílio.
* séc III (300) - tradução dos 70.
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